Foto: Juan Lacruz / Wiki Commons

Deputados recusam projectos de lei para proibir diclofenac

Os dois Projectos de Lei debatidos ontem no Plenário da Assembleia da República, iniciativas do PAN e do PEV, foram rejeitados hoje durante a votação. A Spea diz-se desiludida.

 

Ambos os Projecto de Lei – que visavam a proibição da comercialização e a utilização de medicamentos veterinários, de uso pecuário, contendo diclofenac – tiveram os votos contra do PS, PSD e CDS-PP.

Em causa está um pedido de comercialização de um medicamento com diclofenac, em apreciação pela Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) há mais de dois anos. Segundo os conservacionistas, os medicamentos que utilizam na sua formulação o diclofenac – usado como anti-inflamatório e analgésico em animais de gado – são fatais para aves necrófagas.

O problema é que o diclofenac pode persistir em concentrações letais numa carcaça até sete dias depois da morte do animal. Quando abutres, águias ou outros animais necrófagos se alimentam dessa carcaça, ingerem também o diclofenac.

Ontem, a deputada Eloísa Apolónia (Partido Ecologista Os Verdes, PEV) tinha defendido esta proibição como “um contributo muito concreto para a preservação da biodiversidade” e lembrou a importância do princípio da prevenção e de uma “posição vinculativa da Assembleia da República”.

Por seu lado, André Silva, do PAN, sublinhou que existem “alternativas comprovadas” e seguras.

Os argumentos não convenceram os deputados da Assembleia da República. A deputada socialista Ana Passos defendeu que Portugal já “tem sistemas eficazes de recolha de animais mortos nas explorações pecuárias”, impedindo assim as aves necrófagas de se alimentar deles, e que esta é uma avaliação que deve ser feita pelos técnicos da DGAV, não pelos deputados.

O deputado António Ventura (PSD) foi mais longe e disse que as iniciativas apresentadas eram um exemplo da “agenda demagógica e populista do PAN e do PEV”. Isto porque, sublinhou, há menos de um ano a Assembleia da República deliberou que o Governo estudasse esse medicamento. “E agora querem que esta câmara diga que não se use. Não se pode ter duas coisas ao mesmo tempo.”

O outro voto contra veio da bancada do CDS-PP. A deputada Ilda Araújo Novo, em representação do grupo parlamentar, lembrou que o medicamento em causa “não está autorizado para uso em Portugal” e que “em Abril esta câmara aprovou uma recomendação ao Governo que não autorizasse o diclofenac”. Por isso, acrescentou, “não se entende a necessidade dos projectos lei”.

 

“Desiludidos”

Hoje, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (Spea) disse, em comunicado, que “Portugal perdeu uma oportunidade de dar o exemplo em matéria de conservação da natureza e salvaguarda da saúde pública”.

“Não se percebe como é que não é proibida uma substância que é perigosa e para a qual existem alternativas seguras” comentou Joaquim Teodósio, coordenador do Departamento de Conservação Terrestre da Spea.

Segundo a Spea, “ao não proibir o diclofenac, os deputados falharam nas suas obrigações para com o povo português e descuraram os compromissos assumidos a nível internacional, de conservação da natureza. Ao não proibir este fármaco perigoso, Portugal arrisca-se – caso a DGAV autorize medicamentos contendo diclofenac – a deixar de ser um refúgio para espécies protegidas como o abutre-preto, o britango e a águia-imperial-ibérica, que estão ameaçadas a nível europeu e mundial, e das quais existem populações importantes no nosso país”.

“O resultado da votação de hoje deixa-nos perplexos e muito entristecidos”, comentou Iván Ramírez, director de Conservação da BirdLife Europe & Central Asia. “Portugal acabou de perder uma excelente oportunidade para dar um exemplo a toda a Europa.”

O próximo passo será dado pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, entidade a quem a Spea exige “que, tendo em consideração o melhor conhecimento científico existente, e respeitando o princípio da precaução, não aprove este pedido de comercialização”.

“Estamos desiludidos com esta decisão, que não serve nem as aves nem as pessoas, e pela qual podemos todos vir a pagar caro”, acrescentou Joaquim Teodósio. “Os abutres têm um papel importantíssimo no controlo de doenças nos nossos campos, sem eles, corremos o risco de enfrentar graves problemas de saúde pública. Resta-nos agora esperar que a DGAV decida a favor da saúde dos nossos campos.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.