Descoberta nos Açores nova colónia de ave rara, a alma-negra

Acaba de ser confirmada a segunda colónia nos Açores de alma-negra, pequena ave marinha rara na Europa e Em Perigo em Portugal. Ricardo Ceia, coordenador da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (Spea) nos Açores, explicou à Wilder como estes ninhos foram descobertos no ilhéu de Baixo, ao largo da ilha Graciosa.

 

O ilhéu de Baixo, com os seus nove hectares e o ponto mais alto com 74 metros, é um importante local de abrigo para aves marinhas como o painho-de-monteiro, o garapau-comum ou o cagarro. Isso valeu-lhe fazer parte de uma área protegida, a Zona Especial de Conservação do Ilhéu de Baixo e Ponta da Restinga (Graciosa).

Agora, a sua importância aumentou porque, em Junho, uma equipa da Spea descobriu nesse ilhéu 13 ninhos de alma-negra (Bulweria bulwerii).

 

Alma-negra com ovo. Foto: Rúben Coelho
Alma-negra com ovo. Foto: Rúben Coelho

 

A alma-negra é uma ave pequena, de plumagem, bico e patas negras e que pesa entre 90 e 110 gramas. Está extremamente bem adaptada à vida no mar. Na verdade, só vem a terra para se reproduzir. Durante este período, chega a terra firme ao pôr-do-Sol e durante a noite; ao amanhecer volta ao oceano para se alimentar. Às vezes, estas viagens à procura de alimento – sobretudo plâncton – podem durar semanas.

Até agora, esta ave que outrora foi abundante nos Açores, apenas tinha uma colónia conhecida no ilhéu da Vila (na ilha de Santa Maria) com 50 casais.

“Já havia suspeitas de que poderia existir uma outra colónia de alma-negra, no ilhéu de Baixo, porque em trabalhos anteriores outros investigadores escutaram estas aves”, contou hoje Ricardo Ceia à Wilder.

A confirmação da nidificação chegou em Junho passado. “Foi uma descoberta um pouco ao acaso. Estávamos no ilhéu de Baixo a monitorizar outra ave marinha, o paínho-de-monteiro (Hydrobates monteiroi), a mapear a sua distribuição e a anilhar aves quando encontrámos alguns ninhos de alma-negra”, acrescentou.

Foram identificados 13 ninhos mas apenas quatro eram acessíveis, já que esta pequena ave escava o ninho bem fundo em fendas e buracos. Esses quatro ninhos estavam ocupados com aves incubando o seu único ovo. “Este é o primeiro registo confirmado de reprodução de alma-negra no Ilhéu de Baixo”, disse Ricardo Ceia, segundo o qual a população desta colónia terá cerca de 20 casais reprodutores.

Agora, esta colónia será monitorizada “para avaliar o sucesso reprodutor nos ninhos”, avançou o responsável. Os ovos deverão eclodir em finais de Julho. Depois, no final de Setembro e início de Outubro, as crias irão começar um périplo pelo oceano até ao hemisfério sul, regressando à colónia por volta dos três anos. Embora visitem anualmente as colónias desde essa idade, apenas se começarão a reproduzir quando atingirem os sete anos.

Para a Spea, “esta nova colónia dá um novo ímpeto à conservação desta espécie “rara” na Europa, protegida pela Diretiva Aves e Diretiva Habitats, no que respeita à sua pequena e restrita população nos Açores classificada como “Em Perigo” no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal”.

Segundo Ricardo Ceia, esta nova colónia vem “aumentar a área de distribuição da espécie o que, para uma população tão pequena e restrita, é extremamente importante para a sua conservação, pois caso aconteça alguma coisa à população de Santa Maria, esta colónia na Graciosa será a última esperança para a espécie nos Açores”.

A colónia do Ilhéu de Baixo tornou-se a colónia mais a Norte para esta ave no Oceano Atlântico.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Descubra mais sobre a pequena alma-negra aqui, no Atlas das Aves Marinhas de Portugal.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.