Descoberta revela que lince-ibérico saiu da Ibérica e colonizou França e Itália há 600.000 anos

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Há 600.000 anos, o lince-ibérico saiu da Península Ibérica para colonizar todo o Sul de França até chegar ao sul de Itália. Há 40.000 anos, e por causas desconhecidas, extinguiu-se dessa zona e ficou limitado à Ibéria, revela novo estudo científico.

Uma investigação liderada por investigadores da Sapienza Universitá di Roma, com a participação do Institut Català de Paleontologia Miquel Crusafont (ICP), descreveu restos fósseis extremamente bem conservados de lince-ibérico (Lynx pardinus) encontrados numa jazida em Ingarano (Itália).

Crânio original restaurado digitalmente (esquerda) e recriação do aspecto em vida (direita) do exemplar de Lynx pardinus de Ingarano. (Dawid A. Iurino / Sapienza Universitá di Roma)

O conhecimento da biologia e ecologia desta espécie icónica tem sido crucial para a sua recuperação. No entanto, a sua história evolutiva e a sua origem como espécie era bastante desconhecida.

Agora, num artigo publicado na revista Quaternary Science Reviews, os investigadores descrevem distintos restos fósseis com 40.000 anos desta espécie na jazida de Ingarano, no Sudeste de Itália. A colecção de Ingarano consiste em 415 elementos, incluindo crânios, mandíbulas e dentes.

O estudo inclui vários crânios extraordinariamente bem conservados que permitiram atribuir os restos à espécie ibérica, graças aos detalhes observados nas imagens obtidas por tomografia computorizada. 

Crânio fóssil de Lynx pardinus (direita) e modelo 3D do crânio e a mandíbula (esquerda) obtido mediante tomografia computarizada (Dawid A. Iurino / Sapizenza Università di Roma).

Segundo a equipa de investigadores, há cerca de 600.000 anos o lince saiu da Península Ibérica e colonizou todo o Sul de França até chegar a Itália, onde sobreviveu até há uns 40.000 anos. “Não sabemos quais foram as causas precisas da sua extinção no resto da Europa, mas não estão relacionadas com a actividade humana”, disse, em comunicado, Joan Madurell, paleontólogo do ICP que participou na investigação.

Os estudos de ADN fóssil desta espécie revelam que há 40.000 a 50.000 anos, a sua diversidade genética era já bastante baixa, o que poderá ter limitado a sua capacidade de adaptação a novos ambientes.

Madurell estuda a história evolutiva do lince-ibérico desde 2010. “Até há relativamente pouco tempo acreditava-se que esta espécie tinha aparecido há apenas uns 40.000 a 50.000 anos atrás”, explicou.

Mas em 2015, a descoberta de fósseis de lince com 1,6 milhões de anos numa jazida em Gavà (Barcelona) permitiu constatar que a sua origem remonta a tempos muito mais longínquos. “Acreditamos que há cerca de 1,8 milhões de anos, coincidindo com um período de glaciação, o lince ficou isolado na Península Ibérica”, comentou Madurell. Aqui teve de se adaptar a caçar presas mais pequenas, como os coelhos, e este feito explicaria a redução do seu tamanho corporal em comparação ao lince-boreal que habitava no resto do continente europeu.

Lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-situ/Arquivo

Contrariamente ao lince-ibérico (Lynx pardinus), hoje o lince-boreal (Lynx lynx) é uma espécie amplamente distribuída pelas florestas europeias e siberianas. Até meados do século passado ainda viviam alguns indivíduos nos Pirinéus mas acabaram por desaparecer devido à caça.

O lince-boreal é um pouco maior, pesando entre 17 e 20 quilos, enquanto o lince-ibérico oscila entre os 13 e os 17 quilos.

Lince-europeu. Foto: Aconcagua/Wiki Commons

Os exemplares encontrados em Ingarano, todavia, teriam sido bastante maiores do que os actuais que sobrevivem na Península Ibérica nos nossos dias.

O lince-ibérico é uma espécie classificada desde 22 de Junho de 2015 como Em Perigo de extinção, depois de anos na categoria mais elevada atribuída pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), Criticamente em Perigo.

Segundo o censo mais recente, a população de lince-ibérico está estimada em 894 animais, foi revelado em Outubro passado. Graças aos projectos ibéricos de conservação da natureza, a população mundial de lince-ibérico conseguiu aumentar, partindo de apenas 94 linces em 2002, isolados em duas populações fragmentadas na Andaluzia.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.