Diana costumava partilhar a cozinha de férias com a maior vespa da Europa

Vespa crabro. Foto: Björn Sothmann/Wiki Commons

Até há pouco tempo, as férias de Verão significavam para a família de Diana Ralha um mês de coabitação com um ninho de vespas-crabro. Quase sempre sem medos e com muito respeito, rendendo muitas observações ao estilo “National Geographic” para os quatro filhos, contou à Wilder esta consultora de comunicação com 44 anos.

Na região de São Pedro do Sul, distrito de Viseu, a vespa-crabro (ou vespa-europeia) tem um nome poético, “abigoira”. Foi assim que Diana Ralha desde pequenina chamou este insecto “quase sobrenatural no seu tamanho” e origem de inúmeros mitos na terra dos avós maternos. Afinal, trata-se da maior vespa nativa na Europa.

“Fui exposta durante toda a minha infância aos mais variados mitos sobre esta vespa”, explica Diana. “É muito comum dizer-se na terra que bastam sete ferroadelas desta vespa para matar um boi, por exemplo.”

Imagine-se a preocupação quando ela e o marido, em 2013, perceberam que tinham a companhia das ditas “abigoiras” na casa de aldeia que tinha sido dos avós dela, e que tinham decidido recuperar.

Com a terceira filha recém-nascida ainda de mama, o casal aproveitou o período de licença de parentalidade para saírem de Lisboa e meterem mãos à obra, numa casa que “tinha estado desabitada por mais de um quarto de século”. “Não havia electricidade, não havia – e continua a não haver – água canalizada ou saneamento, mas havia uma pequena casa com um terreno em socalcos com algumas árvores de fruto, que faz parte da história da minha família materna e que é o local que povoa as mais longínquas e felizes recordações da minha infância”, recorda Diana.

E se no início as vespas só apareciam fora de casa pela hora do jantar, “atraídas pela luz ou pela comida”, o caso tornou-se mais sério um ou dois anos depois do início das obras: já com um quarto bebé nascido, “instalaram-se nas duas chaminés da casa – na da cozinha e na da lareira.” Da última desistiram depressa, quando foi ligada, mas mantiveram-se na outra. O que fazer?

Diana Ralha diz que as vespas-crabro “adoram frango assado, ou quaisquer grelhados”. Foto: Diana Ralha

“Tive medo”

“Tive medo. Não nego”, admite a consulta de comunicação. “Elas são muito, muito grandes, e o zumbido do ninho, no topo da chaminé de pedra da cozinha, ecoava como um murmúrio permanente amplificado.”

Entretanto o receio diminuiu quando Diana e o marido falaram com dois entomólogos de quem são familiares e amigos, Eva Monteiro e Albano Soares. “O seu conhecimento ajudou-nos a ter a confiança necessária para desmontarmos os nossos próprios preconceitos e aprender muito sobre estas fascinantes criaturas tão importantes para o equilíbrio e a biodiversidade”, sublinha a consultora. Tudo isto “perante a perplexidade da aldeia e dos familiares que ali residem e que duvidaram da nossa sanidade, ou desculparam a excentricidade por sermos ‘os malucos da cidade'”. 

Um pacto de não agressão…

Mas Diana assegura que é possível partilhar a casa com uma colónia de grandes vespas – seguindo uma estratégia de “respeito e pacto de não agressão”. “Assumimos que éramos nós os convidados e não elas, que sempre por ali viveram. Ao fim e ao cabo, estamos lá no máximo um mês por ano, no querido mês de Agosto.”

Nos primeiros anos de coabitação, tinham o cuidado de fechar sempre a porta da cozinha à noite, “para elas não terem a tentação de ir para os quartos atraídas pela luz”. E à medida que o tempo passou os medos foram serenando, lembra, “já tínhamos a maior das confianças na nossa saudável convivência”.

Foto: Diana Ralha

Com o tempo surgiram também algumas soluções simples, mas eficazes. “Por exemplo, às vezes à noite estava a cozinhar com uma dúzia de vespas a baterem no candeeiro da cozinha e era bastante desagradável a sensação. Fazia então o seguinte. Desligava a luz, acendia a luz do exterior, abria as portas e as janelas e lá iam elas dar cabeçadas para outro ponto de luz deixando-me em paz.”

… e uma experiência de educação ambiental inesquecível

O esforço compensou também pela experiência “muito enriquecedora” a nível de educação ambiental para esta família numerosa, que ali passa sempre as férias sem televisão ou Internet: as vespas acabaram a ser um “entretenimento em muitas noites de Verão.”

Com o tempo descobriram que aquelas que desciam para a cozinha, saídas do ninho, “tinham escassas horas de vida pela frente”; na manhã seguinte, quase todas já tinham morrido. Recolhiam os insectos moribundos ou já mortos, agora encaracolados e bem mais pequenos do que antes, e examinavam-nos em família. Especialmente com as crianças mais pequenas.

Foto: Diana Ralha

Mas não só. Os seis tiveram o privilégio de assistir a uma cena inesquecível: “ficámos todos sem respiração quando vimos uma abegoira a matar uma libelinha em pleno voo. Deu-lhe uma ferroadela, imobilizou-a no chão e arrancou-lhe a cabeça em menos de 5 segundos. Foi um momento ‘National Geographic’ que nos deu um arrepio na espinha a todos”, conta a consultora de comunicação.

E a cena de documentário não se ficou por ali. Diana apanhou o corpo da libélula “para ver o dano feito”, quando entretanto percebeu que “a vespa regressou ao ‘local do crime'”. “Achei que era o meu fim, nesse momento. Rondou o perímetro e como não encontrou o cadáver, matou mais uma libélula à nossa frente. O espectáculo da natureza a acontecer aos nossos olhos e isto apenas possível porque estávamos sem dispositivos eletrónicos disponíveis para roubar a atenção das crianças.”

Ferroadelas

Mas viver com vespas – mesmo um mês por ano – tem os seus riscos: ao longo do tempo houve três histórias de ferroadelas. Duas aconteceram com Diana e uma das três filhas, quando ambas pisaram vespas moribundas no chão da cozinha. “Doeu bastante, uma queimadura muito forte durante um minuto”, descreve a consultora de comunicação. Ainda assim passou a parecer-lhe “coisa pequena” depois de ter partido uma perna “com severidade”, em Setembro passado, mas a picada “é bastante dolorosa”.

Noutro episódio, o filho estava no topo do beliche, junto à luz do quarto, quando deu com uma vespa pousada na perna, “um ‘helicóptero’ de seis centímetros”. “Ele sabia que não podia entrar em pânico”, mas foi “um teste de pressão demasiado grande para um pré-adolescente.” “Esbracejou e deu uma pancada à vespa e ela respondeu-lhe à agressão. Novamente, a dor não durou mais de 5 minutos.”

Um ninho em desagregação

Finalmente, no Verão passado, algo na dinâmica deste ninho mudou e reflectiu-se na bancada da cozinha: “caíam muitas larvas”, explica Diana, “um pouco nojento, os casulos gelatinosos onde estavam as vespas-larva em formação.” Mas também, mais uma vez, uma bela oportunidade. A família levou para a casa de férias um microscópio barato, “daqueles da Science4You”, e dedicaram-se a ver “vespas aumentadas” e casulos “absolutamente alienígenas”.

Vídeo: Diana Ralha
“Abigoira em macro-fotografia.” Foto: Diana Ralha

“O Albano Soares e a Eva Soares explicaram-nos que o nosso ninho estava em desagregação – e que reinava a anarquia. Daí as larvas na bancada, que já não estavam a ser alimentadas pelas obreiras. Os machos, esses, já tinham fertilizado as futuras rainhas que iniciariam os seus ninhos noutras paragens.”

Na última vez que tiveram uns dias disponíveis e a família rumou à casa de São Pedro do Sul, recentemente, depararam com o ninho já caído.

Mas têm esperança de que elas regressem, quem sabe? “Tiveram uma vida santa e nós também”, recorda a consultora de comunicação, que sente já alguma nostalgia. “Sabemos que a preservação da vespa-crabro é a primeira linha de defesa contra a vespa-velutina [também chamada de vespa-asiática] e estamos muito felizes por termos aprendido muito com elas e sobre elas nestes últimos Verões.”

O ninho das vespas desabou sobre a bancada da cozinha. Foto: Diana Ralha

“Penso que falo por toda a família quando digo que vamos ter saudades do zum-zum que havia sempre na cozinha. Temos no quintal muitas árvores autóctones que plantámos, mas a chaminé da cozinha estará sempre aberta para elas.”


Saiba mais.

Recorde como se reproduzem as vespas-crabro. E cuidado para não confundir esta espécie nativa com a invasora vespa-asiática (Vespa velutina).

E tem alguma historia de natureza para nos contar? Escreva-nos para [email protected].

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.