Lobo-ibérico. Foto: Arturo de Frias Marques/Wiki Commons

É necessária a protecção urgente de espécies e ecossistemas, alerta a ZERO

Em Portugal, “a conservação da natureza e da biodiversidade continua a ser uma matéria não prioritária nas acções do Ministério do Ambiente e da Ação Climática”, avisa a associação ambientalista.

 

“A conservação da natureza e da biodiversidade continua a ser uma matéria não prioritária na ação do Ministério do Ambiente e da Ação Climática, traduzida numa preocupante e continuada inação deste Ministério”, afirma a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável num comunicado dedicado ao Dia Nacional da Conservação da Natureza.

Este dia, que se comemora esta terça-feira, 28 de Julho, assinala a fundação da Liga para a Proteção da Natureza, em 1948, e a criação do Parque Natural da Arrábida em 1976. Mas apesar de “dever ser um dia da celebração do património natural português, a análise feita pela ZERO continua a demonstrar que a acção política e a intervenção do Estado são praticamente nulas”, acrescenta a organização não governamental (ONG).

A ZERO avança com três exemplos de espécies em perigo que requerem acções urgentes, como é o caso do lobo-ibérico (Canis lupus signatus), que em Portugal “continua a estar alicerçada num plano de acção que não sai do papel”.

 

Lobo-ibérico. Foto: Arturo de Frias Marques/Wiki Commons

 

“São necessárias acções urgentes que ponham em prática este plano, assim como apoios para o estudo, protecção e acompanhamento das alcateias desta espécie, nomeadamente as que se localizam a Sul do Rio Douro e que estão severamente ameaçadas”, sublinham.

O saramugo, espécie endémica de Portugal, é outro dos exemplos apontados pela ONG. Em cauda está um pequeno peixe dulciaquícola com o estatuto de Criticamente em Perigo no Livro Vermelho dos Vertebrados.

A protecção do saramugo “é um dos exemplos da inércia dos organismos públicos, que já deveriam ter alargado a área de protecção desta espécie no Sítio de Importância Comunitária do Guadiana – parte da Rede Natura 2000 – para as sub-bacias hidrográficas do Chança, da Foupana e de Odeleite.”

O objectivo é acautelar os compromissos subscritos pelo Estado no que respeita à preservação deste pequeno peixe, nota a ZERO, que acrescenta que “existem pressões para a construção de mais barragens nestes cursos de água”.

Quanto à Linaria ricardoi, endémica do território português com o estatuto Em Perigo identificado pela Lista Vermelha da Flora, “requer uma intervenção urgente”.

 

Linaria ricardoi. Foto: C. E. Ramalho/Flora-On

 

Esta planta está confinada a territórios dos concelhos de Ferreira do Alentejo, Beja, Cuba e Serpa e ainda à Zona Especial de Conservação “Alvito / Cuba”, designada para a sua proteção. No entanto, essa área da Rede Natura 2000 “não abrange qualquer população significativa da espécie, situação que não garante o cumprimento previsto na Directiva Habitats.”

A Linaria ricardoi ocorre em searas, pousios e prados em olivais tradicionais ou montados. E embora “possa ser pontualmente abundante”, indica a associação ambientalista, “as dinâmicas actuais de alteração de uso do solo, principalmente a intensificação associada à irrigação dos perímetros de rega do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, constituem uma séria ameaça à sua persistência”.

 

Invasões por espécies exóticas e infestantes estão a aumentar

A ZERO “está também particularmente preocupada com o agravamento da problemática das invasões biológicas baseadas em espécies exóticas e infestantes”, afirma a associação, sublinhando que está a verificar-se “um aumento da ocupação do coberto vegetal por espécies como a acácia e eucalipto, em territórios que foram percorridos pelos fogos”.

Em causa estão territórios como a Zona Especial de Conservação das Dunas de Mira, Gândara e Gafanhas, no Litoral Centro, que está classificada pela Diretiva Habitats e “precisa de uma intervenção urgente, criteriosa e contínua, pois estão comprometidos os objectivos de conservação da Rede Natura 2000”, salientam.

Já espécies exóticas como o jacinto-de-água (Eichhornia crassipes), a azola (Azolla filiculoides) e a erva-pinheirinha (Myriophillum aquaticum) estão a registar “um aumento sem precedentes” em rios, lagoas e outras zonas húmidas.

 

Jacinto-de-água. Foto: Shahadat Hossein/Wiki Commons

 

Estas espécies estão presentes nas principais bacias hidrográficas portuguesas, onde “criam fortes problemas à utilização da massa de água, às condições hídricas ou às condições ecológicas, alterando a composição do habitat ocupando o lugar de espécies aquáticas nativas.”

A ONG apoia também o dedo às “poucas intervenções que têm sido feitas com a maquinaria tradicional e não adaptada à segurança ecológica exigida”, uma vez que o controlo e remoção destas plantas tem de basear-se em conhecimento científico adequado, “que minimize a sua dispersão”.

 

Azola. Foto: Dubbeltänk/Wiki Commons

 

Apesar de já existir um regime jurídico que diz respeito às espécies exóticas – Decreto-Lei n.º92/2019, “um dos exemplos claros da inércia registada” – a ZERO alerta também para o facto de em Portugal não existir ainda um plano nacional de prevenção e controlo neste domínio “que consiga, de forma eficaz, fazer frente aos desafios resultantes da sua introdução”.

 

Portugal sob “atento escrutínio” de Bruxelas

Outro exemplo da falta de acção política avançado pela associação está relacionado com a Directiva Habitats, uma das peças-base da legislação europeia no que respeita à conservação da natureza.

Os ambientalistas lembram que Portugal está actualmente “sob atento escrutínio” da Comissão Europeia, após a publicação de um acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, em Setembro do ano passado, que concluiu que o Estado português não cumpriu as obrigações ligadas à Directiva Habitats.

Isto porque estão por designar 61 sítios de importância comunitária como zonas especiais de conservação e não foram adoptadas “as medidas de conservação necessárias à preservação dos habitats naturais e seminaturais e das espécies enumeradas nos anexos” daquela directiva.

 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.