Foto: Tobias Andermann

É urgente proteger a biodiversidade única de Madagáscar, alerta novo estudo

Uma equipa internacional de cientistas, incluindo dois investigadores ligados à Universidade do Porto, avaliou as espécies únicas que a maior ilha de África abriga e apontou para as medidas de conservação mais necessárias.

A biodiversidade única e ameaçada de Madagáscar é o “resultado de milhões de anos de um relativo isolamento”, explica dois artigos científicos sobre o tema, publicados esta sexta-feira na revista Science. Desde há 80 milhões de anos que a maior ilha de África está isolada deste continente e da Ásia, o que levou ao desenvolvimento de uma enorme variedade de animais, plantas e fungos que só ali existem – isso acontece com mais de 90% das espécies da ilha, que são endémicas.

Os dois artigos agora publicados fazem uma revisão da rica biodiversidade de Madagáscar e avaliam os respectivos riscos e as ameaças, apontando medidas consideradas importantes para a sua conservação. São assinados por várias dezenas de investigadores, incluindo dois cientistas da associação BIOPOLIS/CIBIO-InBIO e do Departamento de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Angelica Crottini e Francesco Belluardo.

Segundo um comunicado da associação BIOPOLIS/CIBIO-InBIO, os estudos destacam o grande desconhecimento que ainda subsiste relativamente à biodiversidade de espécies nesta ilha, em especial nos grupos dos fungos e invertebrados mas também em vários grupos de vertebrados terrestres, cujas descrições científicas já publicadas representam apenas uma pequena parte da diversidade total.

“Compreender as origens, evolução, distribuição atual e usos da extraordinária biodiversidade de Madagáscar é crucial para destacar sua importância global e orientar os esforços de conservação”, sublinham.

De acordo com os investigadores, encontram-se hoje descritas em artigos científicos um total de 11.516 espécies de plantas vasculares nativas, das quais 82% são endémicas, pelo que Madagáscar é o único local em todo o mundo onde podem ser encontradas. O peso das espécies endémicas é ainda maior nos 1.314 vertebrados nativos terrestres e de água doce, chegando a 90% do total. “Todos os mamíferos terrestres não voadores e anfíbios nativos não se encontram em qualquer outro lugar da Terra.”

“Apesar de séculos de investigações, é extraordinário ver que a maior parte da biodiversidade de Madagáscar ainda precisa de ser descoberta, mesmo em grupos taxonómicos bem estudados como os anfíbios e os répteis, destacando o papel fundamental que a investigação no terreno e baseada em colecções continua a ter no nosso tempo atual!”, destaca Angelica Crottini, citada em comunicado.

A equipa de investigadores comparou as espécies conhecidas na ilha com os dados de avaliação disponíveis sobre plantas e vertebrados, na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Concluíram que apenas um terço de todas as espécies vegetais foram formalmente avaliadas.

Áreas protegidas dão “boa cobertura”

Por outro lado, perceberam que a sobre-exploração (através da caça e colheita de espécies) e as práticas agrícolas insustentáveis afectam mais de metade – 62,1% e 56,8%, respectivamente – das espécies de vertebrados nativos. Cada uma dessas ameaças afecta igualmente quase 90% de todas as espécies vegetais.

Atualmente, as áreas protegidas cobrem 10,4% da ilha, numa rede “que oferece uma boa cobertura dos principais habitats e da biodiversidade de vertebrados e plantas nativas de Madagáscar”, resumem os cientistas.

Região de Ankarana, em Madagáscar. Foto: Board of Trustees RBG Kew

Já as colecções ex situ, ou seja, espécies com exemplares que permanecem fora da ilha como por exemplo aquelas guardadas em parques zoológicos ou jardins botânicos, detêm 18% das espécies de vertebrados e 23% das espécies de plantas. “Os investigadores defendem que é urgente manter e melhorar a qualidade da proteção das áreas protegidas e desenvolver programas comunitários integrados. Isso, juntamente com ações de conservação ex situ eficazes, tais como o melhoramento de bancos de sementes e a criação de programas de reprodução e reintrodução, será a chave para o sucesso.”

Angelica Crottini sublinha que “há uma necessidade urgente de preencher essas lacunas na conservação ex situ, antes que seja tarde demais, e aumentar a nossa capacidade de neutralizar as extinções”.

Lidar com a pobreza generalizada

A biodiversidade única de Madagáscar, particularmente na sua flora diversificada, tem proporcionado muitas oportunidades de utilização humana, existindo um manancial enorme de propriedades úteis que podem ainda ser exploradas, afirmam também os cientistas. Das 40.283 espécies vegetais documentadas para serem utilizadas pelo homem em todo o mundo, 1.916 (5%) encontram-se em Madagáscar. Destas, 1.596 são nativas e endémicas da ilha.

O desafio será encontrar um equilíbrio entre o uso da biodiversidade e a conservação da integridade das áreas protegidas. A maioria dos mais de 28 milhões de habitantes de Madagáscar vive fora das áreas protegidas, mas muitas vezes próxima.

Foto: Tobias Andermann

“Essas comunidades enfrentam desafios relacionados à pobreza generalizada, que está relacionada à degradação do capital natural na paisagem, acesso limitado à educação formal, assistência médica e questões relacionadas com a regulamentação, incluindo a posse da terra”, descreve um dos estudos agora publicados.

De acordo com a equipa internacional de investigadores, Madagáscar tem feito progressos importantes para atingir as metas internacionais de clima, biodiversidade e desenvolvimento sustentável, preparando-se para os desafios das próximas décadas. “Os investigadores enquadram a biodiversidade como a maior oportunidade e o bem mais valioso para o desenvolvimento de Madagáscar – um recurso essencial para o futuro sustentável e o bem-estar de seus cidadãos”, sublinha a associação BIOPOLIS/CIBIO-InBIO.


Saiba mais.

Leia os dois artigos publicados esta sexta-feira na Science, aqui e aqui.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.