Vaca-loura. Foto: João Gonçalo Soutinho
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Encontradas mais de 500 vacas-louras em Portugal em 2018

Mais de 300 cidadãos ajudaram a conhecer melhor a população portuguesa da vaca-loura, o maior escaravelho da Europa e uma espécie crucial para manter as florestas nativas. Entre Abril e Setembro este projecto de ciência cidadã registou mais de 500 indivíduos, segundo os resultados preliminares.

 

A monitorização da vaca-loura (Lucanus cervus) conseguiu em 2018 um total de 552 registos. Destes, “525 foram aceites, sendo os restantes impossíveis de identificar os espécimes pela foto”, explicou à Wilder João Gonçalo Soutinho, biólogo coordenador da Rede Portuguesa de Monitorização da Vaca-Loura.

O censo decorre, normalmente, entre Abril e Setembro, o período durante o qual os animais estão mais visíveis. É nestes meses que os escaravelhos acabam a metamorfose e passam de lagartas a escaravelhos propriamente ditos. Para trás ficaram três a quatro anos de vida dentro de madeira morta, enquanto lagartas que se alimentaram de raízes de carvalhos, normalmente de grandes dimensões e que morreram ou têm partes mortas. Por isso, são animais que ajudam a regenerar a floresta.

Mas as populações desta espécie enfrentam um declínio generalizado. A vaca-loura está classificada na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) como Quase Ameaçada. Em Portugal sabe-se que tem vindo a perder muito do seu habitat, com a redução dos carvalhais dos quais depende. Mas qual a situação ao certo?

Para responder a esta questão, Portugal juntou-se, em 2016, a 13 países europeus – Alemanha, Bélgica, França, Eslovénia, Espanha, Itália, Holanda, Polónia, Portugal, Reino Unido, Rússia, Suíça e Ucrânia – que criaram a Rede Europeia de Monitorização da Vaca-Loura para, em conjunto, tentar conhecer qual a distribuição desta espécie. O esforço português reúne estudantes e investigadores da associação BioLiving, Unidade de Vida Selvagem do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro, Sociedade Portuguesa de Entomologia e Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

O objectivo deste projeto de ciência cidadã é reunir informação sobre a distribuição e o estado das populações da vaca-loura e de mais três espécies de escaravelhos da família Lucanidae em Portugal (Lucanus barbarossa, Dorcus parallelipipedus, Platycerus spinifer).

A participação voluntária dos cidadãos pode ser feita de duas maneiras: o registo esporádico das espécies e a adoção de percursos de monitorização de 500 metros. 

Este ano, o terceiro ano da rede de monitorização, recebeu a ajuda de 304 cidadãos que registaram avistamentos. “Vamos esperar mais algumas semanas para o caso de aparecer mais algum dado e entretanto tratamos de analisar os dados finais e apresentar os resultados”, acrescentou João Gonçalo Soutinho.

Apesar de ainda receber alguns registos diariamente, a equipa já tem resultados preliminares “extremamente satisfatórios” da campanha de 2018. “Até agora confirmámos o avistamento de 902 escaravelhos de cerca de 15 espécies diferentes.” A vaca-loura é a espécie bandeira dos invertebrados dependentes da madeira morta. “Este grupo de organismos representa cerca de 30% das espécies florestais a nível mundial, pelo que urge conhecer a sua distribuição e principais ameaças à sua conservação.”

Além da vaca-loura, o projecto registou ainda 138 Dorcus parallelipipedus, 25 Lucanus (Pseudolucanus) barbarossa e apenas um Platycerus spinifer.

O primeiro registo de uma vaca-loura de 2018 é da noite de 15 de Maio, no distrito de Braga. Este ano, o primeiro registo “surgiu cerca de três semanas mais tarde do que em 2017, a 25 de Abril”, notou o biólogo. “As chuvas de final de Abril parecem ter tido um papel neste atraso, mas também não temos a certeza se no ano passado não começaram a aparecer muito cedo. Precisamos de mais anos para saber o que realmente é o normal.”

A necessidade de mais anos de contagens também é muito importante para obter a informação suficiente sobre a espécie para avaliar o seu estado de conservação. Hoje, os especialistas ainda não conseguem dizer qual o seu grau de ameaça em Portugal. Segundo João Gonçalo Soutinho, é preciso informação sobre a área de distribuição e as tendências populacionais.

Além da contagem de animais, o VACALOURA.pt lançou um inquérito para saber que nomes comuns tem esta espécie, nas várias localidades onde ocorre. Até agora já foram recebidas 457 respostas, que permitiram saber que há 32 nomes comuns diferentes em 162 concelhos. O nome mais frequente é vaca-loura, logo seguido de carocha. Outros nomes que também são usados são cabra-loura, chucha-pitos, escaravelho-veado ou cornélia.

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Se encontrar uma vaca-loura em meio urbano, João Gonçalo Soutinho deixa alguns conselhos.

“As pessoas devem deixar estar os animais, a não ser que estejam em perigo de vida iminente. Nesses casos pedimos que os tirem de perigo e coloquem numa zona verde próxima do local onde foram encontrados. Há alguma razão para o animal estar onde está, a casa pode ser pertinho. Há casos de parques urbanos com presença de vacas-louras e até podem ser bastante comuns. O parque de Viseu, Caldas das Taipas e Santo Tirso são alguns exemplos disso.”

Para saber mais sobre como identificar estes animais, explore o Mini-guia de identificação de Lucanídeos de Portugal que o poderá ajudar.

Aqui ficam três coisas que pode fazer no Outono para ajudar estes animais.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Uma ilustradora portuguesa venceu este ano o prémio Illustraciencia com um trabalho dedicado à vaca-loura.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.