Gaio na Cidade Universitária, em Lisboa. Foto: Sergio Chozas

Programa “Aves na Cidade: o que fazem aqui?” levou tema a escolas da Grande Lisboa

Ao longo de dois anos, um programa de educação ambiental da SPEA sensibilizou alunos de várias escolas da Grande Lisboa para a grande biodiversidade que é possível encontrar em meio urbano. A Wilder entrevistou a coordenadora do projecto, Carolina Bloise.

Andorinhas e andorinhões, melros, gaios, peneireiros, corujas-das-torres, felosinhas, chapins e muitas outras. Muitas aves convivem com a azáfama urbana, mas a sua presença é desconhecida e ignorada. “Há muita gente afastada da natureza e sem nenhuma ideia da biodiversidade que existe mesmo ali ao lado, à porta de casa às vezes”, nota Carolina Bloise, técnica de educação ambiental na Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA). Em entrevista à Wilder, falou sobre o projecto de educação ambiental “Aves na Cidade: o que fazem aqui?”, que levou a natureza a escolas urbanas, entre Abril de 2021 e Março passado. E de como falar desses temas, em Portugal, continua a ser tão importante.

Wilder: Como é que vos surgiu a ideia para este projecto? 

Carolina Bloise: Surgiu porque queríamos trabalhar o tema das aves de zonas urbanas, focando-nos especialmente nas funções que elas realizam – mesmo sem querer – e que são tão importantes para a nossa vida, saúde e bem-estar. 

A ideia era chamar a atenção para o facto de que na cidade também temos uma grande biodiversidade de aves e natureza – pois isso não acontece apenas no campo ou em habitats considerados mais naturais – que vale a pena protegermos e conservarmos. E para isso, podemos fazer pequenas ações que estão ao alcance de todos: a criação de pequenos espaços de biodiversidade, como por exemplo pequenos canteiros que atraem insetos ou com espécies que dão frutos bons para as aves se alimentarem; a colocação de caixas-ninho; a construção de comedouros e bebedouros; através do nosso poder como cidadãos para exigirmos a criação de mais espaços verdes e a manutenção dos que já existem; ou apenas pela sensibilização das pessoas com quem nos relacionamos, para a importância da preservação das aves.

Árvores semeadas numa das escolas do projecto. Foto: Carolina Bloise

A ideia também surgiu porque o local de desenvolvimento deste projeto teria de ser na área da Grande Lisboa.

W: Mas existem diferenças entre as aves na cidade e as aves no campo? 

Carolina Bloise: De certa forma sim, especialmente ao nível da diversidade. Nas zonas urbanas a diversidade de espécies é menor, em geral, pois nem todas se adaptam à convivência com as pessoas, à presença constante de veículos motorizados, à falta de espaços verdes com espécies autóctones e à falta de alimento, pois normalmente há menos frutos e insetos. E também existe mais perturbação em geral. Assim sendo, no campo – dependendo do habitat, é claro – existem aves que não são comuns nas cidades, ou que são mesmo inexistentes, porque naquelas existem imensas condicionantes à presença de certas espécies.

Andorinhão-preto (Apus apus). Foto: pau.artigas/Wiki Commons

No entanto, há várias aves que se adaptaram muito bem à presença humana e algumas até beneficiam com isso. Por exemplo, as andorinhas e andorinhões, aves comuns nas cidades porque se adaptaram a utilizar construções humanas para fazer os seus ninhos – o que, especialmente no caso das andorinhas, lhes traz alguns problemas. Ou o rabirruivo, uma outra ave que utiliza buracos de edifícios para nidificar.

E ainda aves de rapina como a coruja-das-torres, que nidifica em construções humanas como sótãos ou outros edifícios abandonados, torres das igrejas e outros, ou o peneireiro-comum, que nidifica em postes de eletricidade e em buracos de edifícios. Existe aliás um casal a nidificar num orifício na Torre do Tombo.

Pisco-de-peito-ruivo. Foto: Simonetta_78/Pixabay

Depois, temos outras aves comuns em jardins de zonas urbanas, além dos pardais, como os chapins (especialmente chapim-real e azul), os piscos-de-peito-ruivo, toutinegras-de-barrete, chamarizes, verdilhões, melros, gaios, carriças, felosinhas, entre outros. Em zonas mais florestais, como o parque de Monsanto, por exemplo, ou grandes jardins da cidade, é possível ainda ver a águia-de-asa-redonda, presença comum nas nossas cidades.

W: Quantas escolas estiveram envolvidas neste projecto e de que zonas?

Carolina Bloise: A nível de escolas estiveram envolvidas oito escolas, uma em Lisboa, quatro em Loures e três no Montijo, nas quais trabalhámos com 42 turmas de 1º e 2º ciclo ao longo de dois anos letivos. Quase todas as turmas realizaram mais do que uma atividade ao longo do projeto e esteve ainda envolvido um grupo de alunos de ensino doméstico. Não incluímos mais escolas e turmas, porque não foi possível dar resposta a todas as solicitações. 

Actividade do projecto Aves na Cidade. Foto: Chiara Flagiello

Numa outra vertente do projeto, que incluiu a realização de saídas de campo na frente ribeirinha do Tejo (Foz do Trancão) para observação de aves, neste caso dirigidas a vários públicos e a alunos mais velhos, participaram também duas escolas, nomeadamente a ES Portela, da qual tivemos 13 turmas de 8º ano, e a EB23 D. Martinho Vaz de Castelo Branco (Póvoa de Santa Iria), da qual tivemos três turmas de 8º ano. Fizemos ainda palestras em duas escolas (ES Gil Vicente, em Lisboa, e ES Moita) também para alunos mais velhos (10º ao 12º ano), sobre as aves da cidade e o nosso papel enquanto cidadãos na conservação da natureza. Nestas, participaram cinco turmas.

W: Foi fácil ou desafiante entusiasmar as crianças sobre as aves?

Carolina Bloise: Foi fácil, na verdade. As crianças já estão naturalmente entusiasmadas para estas coisas. Quando não estão é porque algo está errado ou porque não as deixam. Apesar disso, é claro que cada grupo de alunos e o seu professor representam um desafio diferente, o que para nós é também muito motivador!

Neste projeto, como em geral nos nossos projetos, fizemos sempre atividades com uma componente muito prática e interativa, em que os alunos têm mesmo que participar e pôr “as mãos na massa”. Nas atividades, como eram em sala de aula, levámos materiais biológicos como folhas e frutos das árvores, imagens e pequenas esculturas das aves, jogos e outros materiais.

Grupo de alunos numa das actividades do projecto. Foto: SPEA

Os alunos fizeram cartazes, observaram as folhas e frutos com lupas, semearam árvores para depois poderem acompanhar o seu crescimento, participaram nos jogos, construíram os ninhos das aves percebendo os desafios pelos quais elas passam na sua construção, e falaram sobre o que aprenderam aos colegas.

Ninho construídos por alunos. Foto: Ana Esteves

Tudo isto de uma forma muito prática e em constante interação com eles, permitindo-lhes explorar, fazer perguntas, contar as suas histórias e – muito importante – brincar. No final era sempre uma festa e quando voltávamos também. Isto porque tentámos fazer sempre mais que uma sessão com cada turma, pois acreditamos que, na educação ambiental, o trabalho continuado é muito mais eficaz e promove um maior desenvolvimento dos alunos. E também cria uma relação de apoio mútuo e de confiança com os professores, que passam a acreditar no nosso trabalho e apoiar-se nele para aprofundar estes temas.

W: Quais foram as acções do Aves na Cidade que mais entusiasmaram alunos e professores?

Carolina Bloise: Na verdade varia muito de aluno para aluno e entre professores: uns ficam mais entusiasmados com umas coisas e outros com outras. Neste último ano do projeto, criámos um jogo muito giro que foi bastante complicado de conceber, uma espécie de ‘escape game’ com caixas, em que os alunos e professores tinham que abrir cinco caixas diferentes, que representam cinco aves. Dentro de cada uma, havia várias caixas pequeninas com cadeados que se abriam através de códigos e desafios, que os participantes iam descobrindo ao longo do jogo.

Alunos durante o jogo das cinco caixas. Foto: SPEA

É um jogo bastante desafiante, mesmo para os mais crescidos. Não jogámos com os mais pequenos porque seria muito difícil para eles. Mas neste jogo vi vários professores verdadeiramente envolvidos na resolução dos enigmas e muito entusiasmados!

Mas na verdade, mesmo nas outras atividades mais simples, professores e alunos gostavam muito de participar e ficavam entusiasmados. E como todas elas tinham um resultado final que cada grupo de alunos podia partilhar com a turma, isso também era importante e deixava-os bastante felizes. Alguns, por exemplo, gostaram muito de poder semear uma árvore e cuidar dela ao longo do tempo. E penso que isto foi motivo de entusiasmo para muitos, pois quando voltávamos à escola, vinham a correr contar-nos como estava a sua árvore!

W: Quais foram os maiores desafios que tiveram?

Carolina Bloise: Um foi conseguir dar resposta ao maior número de turmas possível, sendo que tivemos que deixar muitas para trás. Dizer que não a professores que estavam motivados e queriam continuar o projeto connosco, para poder dar lugar a outras turmas, foi também difícil. Era bom conseguir chegar a todo o lado!

Depois, outro desafio foi o balanço que tivemos que fazer nas atividades entre querermos dar espaço aos alunos para partilharem as suas histórias e precisarmos de tempo para fazer tudo o que nos propusemos em cada sessão, respeitando os intervalos e os horários de almoço e fim de aulas das turmas. É sempre um desafio complicado.

Pormenor de actividade durante uma das sessões em escolas. Foto: Chiara Flagiello

W: Está previsto algum novo projecto de educação ambiental com escolas urbanas?

Carolina Bloise: Sim, havendo financiamento, a nossa vontade é continuar a trabalhar com as escolas de zonas urbanas. Porque promover a ligação das pessoas à natureza é uma das nossas missões, é algo que nos move. E sentimos que nas zonas urbanas isso faz muita falta, há muita gente afastada da natureza e sem nenhuma ideia da biodiversidade que existe mesmo ali ao lado, à porta de casa às vezes.

E, infelizmente, nas escolas também se observa este fenómeno. Não apenas da parte de professores e alunos, mas também da parte do poder local e central.  Infelizmente continuamos a assistir à destruição de espaços verdes em escolas urbanas e à sua substituição por espaços artificializados onde as crianças brincam sobre chão de borracha e por vezes sem um bocadinho de terra para plantar uma única flor que seja. Quando já se sabe de sobra que o contacto com a terra, com as plantas e com a natureza, as brincadeiras e atividades ao ar livre são essenciais para o bom desenvolvimento e para a saúde, física e mental, das crianças.

Parece-me simplesmente absurdo, mas isto continua a acontecer todos os dias. Foi o caso da EB de Santo António, em Lisboa, que era uma das escolas do projeto. 

W: Fazem falta mais projectos sobre natureza na cidade?

Carolina Bloise: A meu ver fazem. Porque a natureza nas cidades é essencial para quem lá vive. As árvores dos arruamentos, os pequenos jardins, os terrenos baldios, ou uns simples canteiros nos passeios, servem de casa a uma diversidade de espécies que, além das funções de que já falei, tornam a nossa vida mais bonita.

Porque vou a andar e vejo uma flor de cor vibrante, delicio-me com o cantar de um pássaro ou reparo que a primavera chegou porque a árvore à frente de casa já tem folhas e hoje vi a primeira andorinha do ano. Tudo isso nos faz mais felizes!

Por outro lado, há zonas opressivas no meio das cidades e muita gente vive distraída e desfasada dos ciclos naturais. Por esse motivo é que é tão importante haver projetos destes, que chamam a atenção das pessoas para a natureza que as rodeia e lhes proporcionam momentos de lazer no meio dessa natureza.

Para os professores também me parece importante, pois abre portas para o espaço exterior da escola, permitindo a exploração desse espaço de uma forma mais consciente e apropriada, e chama a atenção para a biodiversidade, muitas vezes desconhecida, que lá existe, e para novas formas de abordar estes temas e trabalhá-los no currículo escolar. Pelo menos esse é o ‘feedback’ que temos recebido, que estas atividades ajudam os professores pois complementam o seu trabalho e conhecimentos. Por isso, sim, fazem falta estes projetos e, se nos deixarem, continuaremos a fazê-los.


Agora é a sua vez.

Recorde como pode atrair aves selvagens para o seu espaço verde, seja um jardim ou uma varanda, e como isso é importante.

E já agora, sabia que a biodiversidade nos traz felicidade?

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.