Foto: João Santos/ICNF

Águia-imperial atacada com chumbos conseguiu recuperar. Voltou agora à natureza

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Esta ave de rapina encontrada em Barrancos, vítima de disparos de caçadeira, tinha sido recolhida no LxCRAS, em Lisboa, com prognóstico grave. A Wilder falou com a equipa do centro e conta-lhe tudo.

Foi um caminho difícil, mas os esforços da equipa do LxCRAS – Centro de Recuperação de Animais Silvestres de Lisboa terminaram com um desfecho feliz: a águia-imperial-ibérica que ali tinha dado entrada a 10 de Fevereiro foi esta semana finalmente devolvida à natureza. Trata-se de um macho com uma idade estimada de três anos, pronto a continuar o seu percurso em liberdade.

É que todos os cuidados são poucos para assegurar o futuro da águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti), uma das aves de rapina mais ameaçadas da Europa. Estas águias de grande porte podem atingir uma envergadura de asas superior a dois metros e são exclusivas da Península Ibérica.

Em Portugal, a espécie foi alvo de alguns programas de conservação, como o LIFE Imperial, que ajudaram no regresso da população reprodutora. E hoje, o número destas aves voltou a crescer, em especial no Alentejo.

Águia-imperial libertada em Alcaria Ruiva. Foto: João Santos/ICNF

No caso da águia agora libertada, tinha sido encontrada em Barrancos junto à fronteira, recolhida por agentes do Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da GNR, e depois entregue ao Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Foi assim que chegou por fim ao LxCRAS, em pleno parque de Monsanto, Lisboa, descreve Verónica Bugalho, bióloga deste centro.

“A águia apresentava-se alerta, mas num estado de consciência deprimido e com sinais de desidratação, magreza e debilidade.” Feitos os exames necessários, a equipa detectou que a ave tinha “arritmia cardíaca”, mas também “lesões oculares, hematomas e fracturas nas duas asas, com uma aparente formação de calo ósseo”.

Águia-imperial no LxCRAS. Foto: Vasco Coelho

Através do exame radiográfico, perceberam também que a ave tinha 14 chumbos “dispersos por todo o corpo”. Tudo indicava, então, que “as fracturas terão sido provocadas por disparo, que teria ocorrido há cerca de uma semana”, quando este macho foi encontrado. “Dada a situação, a águia ficou em tratamento, sob vigilância médica e com prognóstico grave.”

Logo que entrou no LxCRAS, os primeiros passos da equipa foram ajudar à “estabilização” desta águia-imperial. Com base nos resultados das análises, recebeu fluídos, oxigénio, analgésicos e ainda vitaminas e outros nutrientes.

Águia-imperial durante o período de recuperação. Foto: Vasco Coelho

Os veterinários do centro trataram-lhe depois das lesões nos olhos, ao mesmo tempo que iam avaliando a evolução das fracturas – ossificação – e a recuperação da anemia. Finalmente, este macho foi operado para lhe retirarem os chumbos e o abcesso, descreve Verónica Bugalho.

Duas semanas depois, uma nova fase

Passados cerca de 15 dias, a águia “foi então alojada numa instalação exterior de grande dimensão e ambiente mais natural, onde o foco passou sobretudo para as questões biológicas” – ou seja, foi preciso assegurar que o desempenho físico e o comportamento não tinham sido afectados.

Águia-imperial a treinar o voo. Foto: Vasco Coelho

Já recuperada das fracturas nas asas, “foi preciso garantir que a capacidade de voo não ficara comprometida”, desde logo, estimular esta águia a voar e dar-lhe “um plano alimentar adequado”. Isto com o objectivo de ter a certeza de que a recuperação da massa corporal e dos músculos tinha sido completa, uma vez que a águia tinha chegado ao LxCRAS “em condição de grande debilidade”.

“Nesta fase, foi reduzido o contacto com os técnicos para o mínimo, apenas se mantendo o necessário para a alimentação e para as avaliações pela bióloga e médica veterinária.”

Finalmente, o regresso à liberdade

A águia foi assim recuperando autonomia pouco a pouco. Até que passados dois meses e meio de ali chegar, foi possível declarar aquilo que todos desejavam: “verificou-se que reunia todas as condições para ser devolvida à natureza, tendo conseguido alcançar um bom estado corporal, condição muscular, postura, voo forte, longo, equilibrado e dinâmico”, lembra a bióloga.

E foi assim que a 19 de Maio, esta quinta-feira, a ave foi libertada, com o apoio do ICNF, em Alcaria Ruiva – em pleno Parque Natural do Vale do Guadiana (PNVG), na Zona de Protecção Especial do Vale Guadiana (Rede Natura 2000), “uma área que tem vindo a consolidar-se como uma das principais áreas de ocorrência da espécie em Portugal”.

Vídeo: Bárbara Coelho/Wildscapes

Porquê este local? “A Serra de Alcaria Ruiva é a maior elevação do PNVG, tem na sua envolvente áreas florestais extensas calmas e matos, junto a áreas de cerealicultura extensiva, importantes para a procura de alimento, reunindo  assim excelentes condições para permitir a adaptação da águia ao habitat natural e a posterior dispersão”, responde a responsável do LxCRAS.

Libertação da águia-imperial. Foto: João Santos/ICNF

Esta zona foi considerada a mais adequada, seleccionada com o apoio da Direcção do Alentejo do ICNF, “tendo em conta o conhecimento mais actual resultante dos esforços de monitorização em curso, assim como o acompanhamento in situ dos indivíduos devolvidos à natureza.”

E para permitir que continue a ser acompanhada, mas agora de longe, a águia foi equipada com um emissor GPS/GSM, “cedido pela Portugal Wildscapes em parceria com o ICNF”.

A equipa coloca o aparelho emissor na águia, antes da libertação. Foto: João Santos/ICNF

Sete águias recebidas desde 2010

Feitas as contas, nos últimos anos, o LxCRAS já recebeu sete águias-imperiais-ibéricas – todas elas vindas do Alentejo, sobretudo da área entre Castro Verde e Mértola.

A primeira deu entrada em 2010, 13 anos depois da entrada em funcionamento do centro, “devido a uma electrocussão”. Nesse caso foi impossível uma recuperação total e a ave “lamentavelmente” foi transferida, “como irrecuperável”. “Em 2012 deu entrada outro exemplar num estado muito grave de debilidade e que não resistiu, apesar dos esforços.”

Quanto às restantes cinco, incluindo este macho, “foram também casos desafiantes para a equipa, não só pelos quadros clínicos apresentados mas também por serem muito sensíveis ao stress decorrente da situação de cativeiro e à especialização da espécie no que respeita à dieta, requerendo condições diferenciadas”, explica Verónica Bugalho. Uma destas águias, aliás, deu entrada no centro já por duas vezes.

“Para satisfação de todos os envolvidos”, recorda a bióloga, estas cinco águias recuperaram “depois de um processo de reabilitação mais ou menos moroso e exigente, dependendo de cada caso”, e foram todas libertadas na zona de Alcaria Ruiva e Serra dos Caldeireiros, em Mértola. 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.