Esta ave azul selvagem já foi nosso animal de companhia

O caimão ou galinha-sultana já foi ave de companhia muito habitual, adorno de templos romanos e espécie à beira da extinção em Portugal. Uma equipa de investigadores fez o “álbum de família” entre nós e esta ave azul desde o Antigo Egipto até aos nossos dias. O resultado foi publicado agora na revista científica Society & Animals.

 

Biólogos e historiadores portugueses, espanhóis e italianos – coordenados por Ricardo Jorge Lopes, investigador do CIBIO-InBIO/U. Porto – desvendaram a relação histórica entre uma ave selvagem – o caimão ou galinha-sultana (Porphyrio porphyrio) – e o ser humano.

 

Pormenor da cabeça de um caimão
Pormenor da cabeça de um caimão

 

No artigo, publicado recentemente na Society & Animals, revelam que esta já foi uma ave ornamental muito popular, especialmente comercializada durante o Império Romano na região do Mar Mediterrâneo.

O nosso gosto pelo caimão ficou registado em quase uma centena de imagens e testemunhos escritos, compilados pelos investigadores. “Estas imagens incluem gravuras em templos do antigo Egipto, mosaicos e frescos romanos e bizantinos em muitos locais ao redor do Mar Mediterrâneo, gravuras em bestiários medievais e livros de história natural do Iluminismo”, conta Ricardo Jorge Lopes, em comunicado.

Para quem quiser comprovar esta relação, pode procurar a representação de caimões em vários mosaicos nas ruínas de Conímbriga.

 

Um dos mosaicos nas ruínas romanas de Conímbriga. Foto: Ricardo Jorge Lopes
Um dos mosaicos nas ruínas romanas de Conímbriga. Foto: Ricardo Jorge Lopes

 

“Não estávamos à espera de encontrar tantas evidências que demonstram que esta ave era utilizada para adornar jardins em casas abastadas e em templos em várias zonas do Império Romano”, refere Ricardo Jorge Lopes. Acontece que esta ave era considerada um símbolo da virtude e castidade, devido a uma lenda que descreve a morte por saudade do macho após ter sido abandonado pela sua fêmea. Havia a crença que se o macho morresse numa casa, seria sinal que a sua dona teria praticado adultério.

Uma das coisas que mais surpreendeu os investigadores foi descobrir que “o Homem, com o transporte de aves ao longo do Mar Mediterrâneo, poderá ter alterado a sua diversidade genética e promovido a introdução de populações em novos locais”. Os investigadores querem agora saber se a população mediterrânica apresenta evidências genéticas de trocas comerciais ao longo das rotas comerciais durante o Império Romano.

A equipa pretende também avançar com um projecto de colaboração pública para compilar o máximo de registos iconográficos (mosaicos, frescos, baixo relevos, etc.) relativos a esta espécie numa base de dados livremente acessível pela internet. “Nem todos os mosaicos estão registados em catálogos e por isso gostariam de poder contar com a ajuda de todos os cidadãos interessados, que visitem museus, monumentos ou locais arqueológicos, com vista a encontrar todas as representações” do caimão, escreve o CIBIO-InBIO em comunicado.

No entender dos investigadores, a História “fornece dados fundamentais para nos ajudar a conservar e gerir a biodiversidade e vice-versa” e permite-nos “conhecer melhor o tipo de interacção que o ser humano tem vindo a estabelecer com os animais que tem domesticado”.

“É fascinante revelar e documentar um exemplo de interacção bastante próxima entre o ser humano e uma ave. Geralmente, estas são referidas como exemplos de animais selvagens raros e dificilmente nos apercebemos que já tiveram um simbolismo tão importante para o ser humano”, comentou Ricardo Jorge Lopes.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais sobre o caimão.

O caimão é uma espécie com estatuto de Vulnerável no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal (2005), por causa da sua ocupação “muito reduzida”, da fragmentação da população e degradação de habitat. A sua área de distribuição esteve durante muito tempo confinada a uma pequena área no Parque Natural da Ria Formosa. Na verdade, o caimão é o símbolo desta área protegida.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.