Macho de tartaranhão-caçador (Circus pygargus). Foto: Cks3976/Wiki Comuns

Estas duas espécies de tartaranhão estão em declínio em Espanha

Entre 2006 e 2017, as populações de tartaranhão-caçador e de tartaranhão-azulado de Espanha diminuíram 23% e 45%, respectivamente, revela agora a Sociedade Espanhola de Ornitologia (SEO/Birdlife).

 

É durante o mês de Abril que os casais de tartaranhão voltam aos territórios de cria para construir os seus ninhos. São pequenos montes de vegetação nos campos de cereal, sobre os quais põem os ovos e se desenvolvem as crias. Este ritual, que se repete todos os anos, deve estender-se até finais de Junho ou Julho.

Mas a sorte destas aves emblemáticas dos campos agrícolas tradicionais tem vindo a mudar. Para pior.

 

Macho de tartaranhão-caçador (Circus pygargus). Foto: Cks3976/Wiki Comuns

 

Os últimos censos às duas espécies revelam que estão em declínio em Espanha. A SEO/Birdlife revelou ontem os dados relativos à situação de ambas as aves ao longo da última década.

O censo estima uma população mínima de tartaranhão-caçador (Circus pygargus) em Espanha de entre 4.276 a 5.362 casais reprodutores. A estes terão de ser acrescentados os casais não contabilizados das regiões de Aragão, Navarra, Corunha e Pontevedra.

O tamanho da população obtido em 2017 dá conta de um declínio entre os 23% e os 27%, em relação a 2006. Os declínios maiores foram registados na Galiza, Andaluzia, Extremadura, Madrid e País Basco.

A SEO/Birdlife prevê que na próxima década a espécie continue a regredir.

Em Portugal, o tartaranhão-caçador é considerada uma espécie Em Perigo de extinção.

 

fêmea de tartaranhão-azulado em voo
Fêmea de tartaranhão-azulado (Circus cyaneus). Foto: Rob Zweers/Wiki Comuns

 

Já o tartaranhão-azulado (Circus cyaneus) registou declínios um pouco maiores. Segundo a organização espanhola, as melhores populações reprodutoras estão em Castela e Leão, a única região que supera os 2.000 casais e alberga mais de 40% dos casais estimados para Espanha. A Andaluzia tem mais de 1.000 casais, ocupando o segundo lugar em termos de importância numérica. O terceiro e quarto lugares vão para a Extremadura e Castela-La Mancha, com cerca de 600 casais cada uma.

Estas quatro comunidades acumulam mais de 86% da população espanhola; as outras nove comunidades representam 14%.

O censo detectou um declínio de entre 34% e 45% para esta espécie, especialmente sentido no País Basco, Galiza e Madrid. Entre ambos os censos apenas se observou uma evolução numérica positiva numa comunidade: Astúrias.

Este declínio pode manter-se nos próximos anos. Por isso, a SEO/Birdlife “recomenda que esta espécie seja incluída com a maior urgência possível na categoria Em Perigo de extinção, a nível nacional”.

Em Portugal, a população residente de tartaranhão-azulado está Criticamente em Perigo de extinção e a população invernante está Vulnerável.

Actualmente, o tartaranhão-azulado não tem nenhum plano aprovado em Espanha e apenas a Andaluzia tem um plano de conservação específico para o tartaranhão-caçador.

 

Possíveis causas para os declínios

O abandono do pastoreio em zonas arbustivas e pastagens naturais a mecanização e intensificação do cultivo e produção de cereais são algumas das principais ameaças para estas duas espécies, avança a SEO/Birdlife. Outra causa, se bem que menor, será o abandono da criação de gado extensiva. “Todas levam a uma perda da biodiversidade e de habitats adequados nas zonas agrícolas”, segundo um comunicado da organização espanhola.

“O momento actual em que vivemos por causa da crise do Covid-19 deveria servir também para reflectirmos sobre o modelo de vida que queremos ter, especialmente deveríamos pensar na base que nos sustenta”, comentou Ana Carricondo, responsável pelos programas de conservação da SEO/Birdlife. “Uma produção sustentável de alimentos e a conservação da biodiversidade são cruciais para garantirmos um futuro de qualidade para todos.”

No caso do tartaranhão-azulado e do tartaranhão-caçador, também ocorrem casos de mortalidade directa ou perda de crias durante as colheitas agrícolas, uma vez que estas aves constroem os ninhos no solo, escondidos no meio do cereal.

Outras ameaças pontuais são episódios de envenenamento indirecto pelos tratamentos químicos usados para controlar as pragas de ratazanas “que podem ter um impacto local relevante”.

Ambas as espécies são no Anexo I da Directiva Aves e estão incluídas em várias listas de espécies ameaçadas em Espanha, o que implica a obrigação por parte das autoridades competentes de pôr em marcha medidas para garantir a sua conservação.

Mas a SEO/Birdlife denuncia que tem havido uma deficiente cobertura e gestão específica dos espaços Natura 2000 onde estas espécies vivem; uma escassa aplicação de medidas agroambientais e, em geral, uma quase total ausência de consideração da conservação da biodiversidade nas políticas agrícolas que fomentaram a actual dinâmica de abandono e intensificação da produção.

Para tentar melhorar as hipóteses destas aves, voluntários têm trabalho no terreno, na época das colheitas em algumas regiões de Espanha, como em Segóvia, Salamanca, Sierra Norte e Málaga. “Foi possível ajudar a salvar animais mas não em número suficiente”, salienta a SEO/Birdlife.

No ano passado, a partir de Abril, “numerosos grupos locais da SEO/Birdlife e voluntários do projecto LIFE Followers, em colaboração com agricultores, realizaram buscas de ninhos, territórios ou casais a partir de pontos fixos de observação nas zonas de distribuição de tartaranhão-caçador. Para esta temporada não se sabe ainda se este trabalho poderá ser realizado”, por causa da pandemia.

Segundo a SEO/Birdlife, “a actual situação mundial causada pelo Covid-19 deveria servir para reflectirmos sobre muitas questões, entre elas os modelos de produção e de consumo e a relação da nossa sociedade com a natureza da qual dependemos. Os continuados sinais de perda de biodiversidade, como a destas espécies, são alertas que não se devem ignorar”.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.