Foto: Asja Masuelli

Este ano há 13 crias de abutre-preto no Tejo Internacional, o bastião da espécie em Portugal

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Anos de trabalho estão a dar resultados. Criticamente Em Perigo de extinção, o abutre-preto regressa, lentamente, ao nosso país. Este ano há 13 crias no Tejo Internacional, o bastião da espécie em Portugal.

Hoje há no nosso país menos de 50 casais de abutre-preto (Aegypius monachus), a maior ave de rapina da Europa.

Mas se este número parece pequeno, é bem maior do que o que tivemos durante quase meio século. Desde a década de 70 e até 2010 não nasceram crias de abutre-preto no país.

Este ano cerca de 30 casais de abutre-preto foram registados no Tejo Internacional, ainda que este número não seja definitivo por ainda estarem a ser trabalhados os dados do censo à espécie, disse à Wilder Alfonso Godino, investigador associado do Hawk Mountain Sanctuary, entidade norte-americana que coordena um projecto de investigação sobre os abutres-pretos do Parque Natural do Tejo Internacional.

Há 13 crias nascidas na colónia desta área protegida, criada em 2010.

Cria de abutre-preto. Foto: Alfonso Godino

“Curiosamente, este é o ano em que as crias estão em melhor estado”, explicou Alfonso Godino, que trabalha na conservação desta ave há vários anos. “Nenhuma cria teve de ser resgatada do ninho, como aconteceu nos três anos anteriores. E o estado geral das crias pareceu-nos melhor, estavam mais hidratadas.”

A população de abutre-preto do Tejo Internacional, a maior de Portugal, está a ser seguida de perto por técnicos de várias entidades.

Uma das formas de as conhecer melhor é equipá-las com dispositivos GPS. Hoje há 11 crias com emissores activos. O objectivo é saber mais sobre o processo de dispersão juvenil e quais as maiores ameaças à população juvenil do Parque Natural.

Mas este ano, o trabalho foi todo direccionado para saber se as aves estão de boa saúde. A equipa de Alfonso Godino recolheu amostras para aprofundar o conhecimento de potenciais riscos toxicológicos e para fazer uma monitorização veterinária das aves.

Foto: Asja Masuelli

Entre 2018 e 2021 foram examinadas cerca de 40 crias de abutre-preto.

“No início, este estudo toxicológico centrou-se na deteção de metais pesados, elementos com efeitos muito negativos para a conservação das aves em geral e das rapinas em particular. Mas com o avanço do estudo, agora estão a ser procuradas 16 substâncias perigosas”, explicou o perito.

Além dos metais pesados, estão a ser procurados alguns antibióticos e anti-inflamatórios de uso veterinário que podem ter efeitos negativos nos abutres. “Estes tóxicos são ingeridos pelos abutres através do consumo de carcaças de ungulados silvestres, feridos ou mortos na atividade cinegética de caça maior, assim como do gado doméstico em explorações pecuárias.”

Até agora, só foi detetado chumbo e cádmio em algumas das crias de abutre-preto em 2018. Não foram detetados níveis significativos de outros metais pesados ou produtos veterinários na larga maioria das aves incluídas neste estudo.

“Estes resultados são, à partida, um bom resultado. Mas a deteção de um abutre-preto morto este ano na região espanhola de Aragón por diclofenaco – um medicamento anti-inflamatório de uso veterinário letal para as populações de abutres e que foi a causa da mortalidade de mais de 90% das populações de abutres de diferentes espécies na Ásia – reforça a necessidade de manter uma permanente vigilância perante o surgimento destes produtos nas populações de abutres.”

Foto: Asja Masuelli

Segundo Alfonso Godino, “é necessário estar alerta e é ainda mais importante a criação e manutenção de programas de vigilância toxicológica a longo prazo que permitam uma rápida deteção de qualquer tóxico nas populações de aves ameaçadas e especialmente de aquelas espécies com populações reduzidas como é o abutre-preto em Portugal”.

Este projecto, ainda não finalizado, tem sido o maior estudo de deteção toxicológico em populações de aves de rapina ameaçadas em Portugal, e possivelmente um dos maiores estudos de monitorização toxicológica de crias de abutre-preto na Europa.

O estudo tem sido possível graças ao apoio do Hawk Mountain Sanctuary, da empresa ENDESA, do Instituto para a Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), do Parque Natural do Tejo Internacional, do Serviço de Toxicologia da Universidade de Veterinária de Múrcia e, no ano 2021, do núcleo de Castelo Branco da organização  ambientalista Quercus, no âmbito do projecto “Investigação e monitorização de avifauna no PNTI” apoiado pelo Fundo ambiental e pelo ICNF  PNTI.

Bons sinais para a próxima época reprodutora no Tejo Internacional

Alfonso Godino acredita que a próxima época reprodutora do abutre-preto no Tejo Internacional correrá bem.

“O prognóstico, à partida, é bom. A população reprodutora está a crescer, os dados de mortalidade juvenil obtidos no nosso projeto indicam uma baixa mortalidade, tudo parece apontar no bom caminho”, explicou o investigador.

Foto: Asja Masuelli

“Mas nunca devemos deixar de vigiar potenciais ameaças. Estas podem ser baixas agora mas podem ressurgir e ter um elevado impacto negativo na população. É por isto que é muito importante garantir programas de monitorização de populações ameaçadas ao longo prazo como está a ser feito aqui no PNTI com o abutre-preto.”

Potenciais distúrbios que afetem a produtividade desta população, picos ou eventos de envenenamento e outras causas podem ter fortes impactos na população.

Não foram detectadas ameaças muito importantes para a colónia ao longo destes anos de estudo, além do choque com linhas elétricas (um caso em Portugal) e a suspeita de choque com uma vedação (um caso em Espanha).

Alfonso Godino referiu que “foi detectada uma elevada mortalidade de crias no período de pré-dispersão e início de dispersão, ou seja, quando começam a tornar-se independentes dos progenitores e ainda não têm grande experiência”. “Em 2019 registámos uma saída absolutamente anormal de uma cria no fim do período de dependência. Foi repentinamente em direção a Norte e morreu na Serra da Gardunha, suspeitamos por inanição, dada a falta de experiência pela sua curta idade e a ausência dos progenitores.”

“Não conseguimos perceber se esta deslocação foi algo sem intervenção humana e no âmbito do processo de seleção natural ou se há alguma causa de origem antropogénica por detrás disto.”

Outras ameaças que podem estar a ter um efeito negativo na reprodução, e portanto na produtividade da colónia, é o distúrbio perto dos ninhos durante o período reprodutor. “Evitar, regular e compatibilizar, se possível, as atividades próprias da gestão das herdades onde estão os ninhos, o turismo de natureza, etc, devem ser uma ação prioritária.”

A derrocada de ninhos é outra ameaça para as crias que ainda continua a acontecer. Nos últimos anos, o Parque Natural do Tejo Internacional tem estado a monitorizar e a minimizar de forma efetiva este problema, em colaboração com a Quercus, mediante a instalação de plataformas artificiais e o resgate e recuperação de algumas crias deste ninhos.

Para o futuro, Alfonso Godino salienta a importância de começar a estudar não só os juvenis mas também os adultos. “Este é o grupo da população mais importante do ponto de vista da conservação”, sublinhou.

“Do nosso ponto de vista, é essencial ter uma boa monitorização da população reprodutora e ter um profundo conhecimento das ameaças para gerir e conservar a colónia de abutre-preto no PNTI. As entidades que estão envolvidas na conservação e gestão do abutre-preto no PNTI estão a trabalhar para que esta monitorização e o aumento do conhecimento sobre esta colónia melhore ano após ano.”


Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.