Foto: Pedro Geraldes/SPEA

Este “restaurante” de muitas aves portuguesas precisa de maior proteção, apela a SPEA

A ONG portuguesa e a Birdlife International explicam que está em causa uma área do Atlântico Norte que atrai milhões de aves marinhas.

O que leva uma ave marinha a fazer uma viagem de 12 mil quilómetros enquanto a sua parceira está no ninho a incubar o ovo? Ou uma cagarra a voar 5000 km para Norte, quando vai migrar para África?

Segundo a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), a resposta a estas questões chama-se NACES, sigla inglesa que em português significa “área marinha protegida da Corrente do Atlântico Norte e Monte Submarino Evlanov”.

“Na semana em que se comemoram o Dia Mundial do Ambiente (esta segunda-feira, dia 5) e o Dia Mundial dos Oceanos (esta quinta-feira, 8 de Junho), a SPEA apela aos cidadãos para ajudarem a garantir que este “restaurante predileto” das nossas aves marinhas recebe a proteção necessária”, afirma a ONG portuguesa, em comunicado.

Esta zona está situada no meio do Atlântico Norte, entre o Reino Unido, o Canadá e a Gronelândia, onde “as correntes marinhas convergem, criando condições oceanográficas únicas que tornam esta zona rica em peixes e lulas que durante o dia habitam zonas profundas do oceano (entre os 200 e os 1000 metros de profundidade), e à noite vêm à superfície”, acrescenta a associação, que explica que “os cientistas acreditam que é esta abundância de alimento que atrai as aves marinhas”.

Cagarra (Calonectris borealis).

Em estudos científicos já realizados, os investigadores colocaram pequenos aparelhos em aves que lhes permitem seguir remotamente os movimentos daquelas. “Por exemplo, mostram que, quando estão na NACES, as cagarras alteram os seus hábitos, passando a alimentar-se mais durante a noite, presumivelmente para aproveitarem essa fartura.”

As estimativas dos cientistas apontam para cerca de 54 mil cagarras nesta área. Sabe-se também que as cagarras das Selvagens, no arquipélago da Madeira, e da Berlenga, usam a área sobretudo fora da época de reprodução. Algumas migram para lá e ficam vários meses, voltando depois às ilhas madeirenses para se reproduzir no ano seguinte. A maioria, no entanto, passa lá apenas umas semanas durante a migração, antes de seguir para sul. Para as muitas cagarras das Selvagens, esta paragem implica um desvio de 5000 quilómetros, “o que demonstra bem a importância da área”, afirma a SPEA.

Já as cagarras dos Açores, que estão mais perto, visitam também o “restaurante” NACES durante a época de reprodução. “Impressionantemente, também aves marinhas mais pequenas fazem viagens frequentes a esta zona durante a época de reprodução”, adianta a ONG, dando como exemplos as almas-negras, freiras-da-madeira e freiras-do-bugio, que “deixam os parceiros no ninho no arquipélago da Madeira e vão ali ao Atlântico Norte alimentar-se, numa das viagens de incubação mais longas do mundo: o máximo registado para a freira-do-bugio foram 12000km!”.

Fundo do mar por incluir

Mas não são só as aves a viajar até à NACES. Aqui, também acorrem baleias, tubarões e muitas outras espécies, indica a SPEA, que lembra um estudo da BirdLife International – da qual a SPEA é o membro português – que mostrou que esta área do Atlântico Norte “é usada por mais de cinco milhões de aves marinhas, a maior concentração de aves alguma vez documentada em alto mar”.

A associação recorda ainda que devido a essa importância para a biodiversidade, em 2021 a NACES foi designada como área marinha protegida ao abrigo da convenção OSPAR, mas “essa proteção ficou-se apenas pela superfície, literalmente”. Isto porque o fundo do mar não está incluído na protecção da área, “um risco grave” porque os fundos do mar são considerados “cruciais” para a cadeia alimentar de que todas as espécies marinhas dependem.

“Sem proteção legal adequada, corre-se o risco de que o fundo do mar seja alterado ou destruído por atividades humanas como a mineração, desencadeando reacções em cadeia que vão ameaçar espécies até à superfície”, avisam os ambientalistas. “Se o fundo do mar for destruído, não há proteção de superfície que valha, pois todo o ecossistema será afetado”, salienta Joana Andrade, coordenadora do Departamento de Conservação Marinha da SPEA.

Para garantir a proteção de toda a NACES, desde a superfície até ao fundo do mar, a SPEA juntou-se à BirdLife num apelo a todos os interessados para que assinem uma petição, que pede às autoridades internacionais que estendam a definição da área marinha protegida para incluir o fundo marinho. A petição, que já angariou quase 10.000 assinaturas, pode ser encontrada aqui.


Saiba mais.

Em 2017, Paulo Catry participou numa expedição científica internacional no meio do Oceano Atlântico. Releia algumas das crónicas do “diário de bordo” dessa viagem, na altura escritas por este investigador: aqui e aqui.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.