Foto: CRASSA / Quercus

Estes milhafres-reais recuperados em Portugal voaram milhares de quilómetros desde Abril

As duas aves foram devolvidas à natureza equipadas com emissores GPS e estão a ser seguidas à distância há quase dois meses.

Estes milhafres-reais, ainda juvenis, tinham dado entrada com suspeitas de intoxicação ou envenenamento no  CRASSA – Centro de Recuperação de Animais Selvagens de Santo André, que é gerido pela Quercus.

A 10 de Abril, foram devolvidos à natureza nos terrenos da Estação Ornitológica Nacional, gerida pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas. Tal como o CRASSA, esta estação faz parte da Reserva Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha.

As duas aves foram equipadas com emissores GPS, no âmbito do LIFE Eurokite, e têm sido seguidas à distância pela equipa ligada a este projecto internacional financiado por fundos comunitários, que está a trabalhar para a monitorização e conservação do milhafre-real em vários países europeus.

Libertação de um dos milhafres-reais em Santo André. Foto: Catarina Machado / AMUS-Life Eurokite

O milhafre-real (Milvus milvus) é uma das aves de rapina mais ameaçadas em Portugal, onde têm sido detectados casos de envenenamento. A população nidificante, que se reproduz no país, é considerada Criticamente em Perigo. Quanto aos milhafres que apenas passam o Inverno em Portugal e se reproduzem noutros países da Europa, estão em situação Vulnerável.

Uma estreia migratória

Alfonso Godino, da associação espanhola AMUS – Acción por el Mundo Salvaje, uma das entidades parceiras do LIFE Eurokite, explicou à Wilder que um dos milhafres-reais libertados em Abril terá feito o seu primeiro percurso migratório neste Inverno, uma vez que se trata de um macho que provavelmente nasceu no ano passado.

Depois de ficar até final de Abril no Baixo Alentejo, este macho atravessou a Espanha toda em poucos dias, passou por cima dos Pirinéus Ocidentais, e chegou a França a 10 de Maio. Dia 25 desse mês, o milhafre já estava próximo da fronteira com a Suíça, e nos primeiros dias de Junho já sobrevoava o sul da Alemanha, continuando para norte.

Imagem: AMUS / Life Eurokite

“A ver se percebemos onde é que este milhafre quer ficar”, comentou Alfonso Godino. Contas feitas, se voasse em linha recta, esta ave percorreu mais de 1.500 quilómetros até ao final de Maio. Mas na realidade, incluindo as voltas que foi dando, voou mais.

Maior ainda foi a distância que o segundo milhafre já percorreu: cerca de 2.000 quilómetros até aos últimos dias de Maio, se o caminho fosse medido da mesma forma. Alfonso Godino avança que essa ave, outro macho, terá nascido em 2019 e por isso “muito provavelmente esta terá sido a sua segunda viagem migratória”.

Mil quilómetros em apenas dois dias

Depois de passar para Espanha, onde permaneceu quase três semanas, este milhafre-real terá feito cerca de 600 quilómetros num só dia, já em território francês. De seguida atravessou o centro de França, a Bélgica e o sul da Holanda. “E no dia 9 [de Maio] de manhã entrou na Alemanha, 70 quilómetros a Oeste da cidade de Colónia”, descreveu Alfonso Godino.

Milhafre-real. Foto: Vnyyy/Wiki Commons

Nessa mesma data, “depois de ter percorrido 1000 quilómetros em apenas dois dias”, esta ave chegou a uma área próxima da cidade alemã de Bremen e da fronteira com a Holanda, “onde parece que pode ter um território”. Ainda assim, devido às datas e à idade, a equipa do projecto não acredita que este milhafre esteja já pronto para nidificar.

Imagem: AMUS / Life Eurokite

O que se sabe também é que as duas aves terão voado apenas durante o dia, uma vez que os milhafres – ao contrário de algumas espécies, como os andorinhões – repousam sempre durante a noite.

Alfonso Godino suspeita de que nas deslocações mais rápidas e compridas, como por exemplo os 1000 quilómetros feitos em dois dias, as aves “não devem ter parado para comer”. Já nas paragens de um ou mais dias terão aproveitado para se alimentar, “provavelmente em áreas com uma alta disponibilidade trófica (de alimento) ou locais com muitos coelhos, aterros sanitários ou outros.”

Dentro de alguns meses, na época de Outono, estes dois milhafres deverão regressar a território português. Embora as datas dependam do clima e de outros factores, “é muito provável que no mês de Novembro já estejam de volta ao Alentejo”, acredita Alfonso.

Nos próximos anos, está previsto que sejam marcados mais milhafres-reais em Portugal, no âmbito do LIFE Eurokite. À partida, o projecto europeu deverá ainda disponibilizar mais 10 a 15 emissores GPS, no âmbito de um esforço que tem estado a ser feito em diversos países.

Tudo vai depender da localização de milhafres-reais que pertençam à população que se reproduz em Portugal, considerada prioritária, pois sabe-se pouco sobre essas aves. Mas também deverão ser marcados outros milhafres da população invernante, como sucedeu com estes dois primeiros.


Veja estas imagens captadas pelo leitor José Manuel Vasconcellos de um milhafre-real, em Alter do Chão.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.