tapete verde de plantas silvestres
Foto: Joana Bourgard

Estudo: A falta de atenção com que vemos as plantas está ligada à vida urbana, mas há soluções

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Dois investigadores da Universidade de Exeter, no Reino Unido, tentaram descobrir porque é que em geral prestamos menos atenção à vegetação do que aos animais, um problema alcunhado de “cegueira vegetal”, que se traduz por exemplo em menos estudos e investimento na conservação das plantas. E chegaram a algumas pistas interessantes.

 

Imagine que lhe mostram uma fotografia de natureza e lhe perguntam o que está a observar. No que é que repara em primeiro lugar? Será mais provável destacar os animais ou então as plantas que estão nessa imagem? Se respondeu que serão os animais, está de acordo com a grande maioria das pessoas.

Este comportamento caracterizado pela falta de atenção às espécies botânicas foi alcunhado de “cegueira vegetal” pelos botânicos americanos Wandersee e Schlusser, no final da década de 1990, mas já tinha sido identificado como “zoo-chauvinismo” nos anos 1980, recordam Bethan Stagg e Justin Dillion, da Universidade de Exeter, num estudo publicado na revista científica Plants, People, Planet.

Foto: Joana Bourgard

Segundo Wandersee e Schlusser, além de não reparar nas plantas que o rodeiam, alguém com “cegueira vegetal” também “não reconhece a importância das plantas na biosfera e para os assuntos humanos”, não consegue “apreciar a estética e os aspectos biológicos únicos” dos seres vegetais e coloca-os erradamente num patamar inferior ao dos animais, desmerecedor de consideração.

Este comportamento preocupa os biólogos, uma vez que tem impactos no tempo,  no dinheiro e estudos que são investidos na conservação das plantas, e por isso a equipa de Exeter decidiu fazer uma revisão de 326 estudos publicados sobre esta matéria entre 1998 e 2020, em especial ligados às áreas da educação em biologia, etnobiologia e conservação biológica.

O que é que encontraram?

Até hoje, têm sido várias as razões apontadas para a “cegueira vegetal”.  Wandersee e Schlusser, por exemplo, consideravam que uma das razões é o cérebro humano ter tendência para agrupar todas as plantas numa amálgama verde, por estas pouco se mexerem em comparação com os animais. Já outros cientistas acreditam que o problema está principalmente na falta de interacções reais que muitas pessoas têm com o reino vegetal.

Foto: Joana Bourgard

Foi com esta última opinião que concordaram os investigadores da Universidade de Exeter, depois de concluído o estudo. Com efeito, “as pessoas que vivem em países fortemente industrializados têm um défice de atenção em relação às plantas provocado por um declínio nas experiências relevantes que têm com as mesmas, e não devido a qualquer impedimento cognitivo que as impeça de percepcionarem visualmente a vegetação”, afirma Bethan Stagg, autora principal, citada num comunicado da universidade britânica.

Assim, de todos os artigos científicos analisados, um total de 87 estudos “mostram evidências de disparidade no reconhecimento [‘awareness’] de plantas”, que foram “encontradas em populações urbanas de países com rendimentos mais elevados”, detalha o artigo agora publicado.

Em contrapartida, 109 estudos demonstram um “extenso conhecimento botânico” que se encontra “baseado em comunidades rurais dependentes de recursos biológicos”, levando também os dois investigadores a considerarem que a sabedoria individual nesta área está “proporcionalmente ligada à quantidade de plantas que se colectam [apanham]”.

Foto: Joana Bourgard

Ainda assim, “as evidências sugerem que a disparidade no reconhecimento de plantas não é inevitável em países de rendimentos elevados, se existirem provas de contactos regulares ligados aos interesses das pessoas”, acrescentam os dois autores.

No que respeita ao gosto pelo reino vegetal, a influência da família parece ser também mais importante do que as escolas. O problema, aliás, parece atingir tanto alunos como professores, em especial os que não têm formação em ciência. E enquanto que a maioria das crianças analisadas considera as plantas inferiores aos animais, é nos adultos mais velhos que se encontra mais sabedoria botânica, “talvez por estarem mais ligados a ‘hobbies’ relacionados com a natureza”.

Algumas pistas

Mas então qual será a melhor maneira de contrariar a “cegueira vegetal”? O mais importante é “demonstrar alguns benefícios directos que as plantas trazem às pessoas”, em vez de se sublinharem “os benefícios indirectos conseguidos pelas aplicações farmacêuticas e industriais ou o seu valor para sociedades remotas e tradicionais”, sublinha Bethan Stagg.

Esta investigadora destaca a importância de se apanharem plantas silvestres que vão ser usadas como alimento, “tanto como uma forma de apresentar às pessoas as muitas espécies, mas também de conectá-las com os usos ligados ao lazer, cultura e saúde dos ‘tempos modernos'”.

Mas não só. A visita a espaços verdes ricos em natureza, mesmo dentro das cidades, a interacção em família com as plantas e a construção de hortas domésticas que incentivem a biodiversidade são outros exemplos dados pela equipa.

 


Saiba mais.

Fique a conhecer Fernanda Botelho, que abre o mundo das plantas silvestres às pessoas.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.