Estudo mostra o impacto devastador do caranguejo-azul no Delta do Ebro

Caranguejo-azul. Foto: Jarek Tuszyński/WikiCommons

O caranguejo-azul (Callinectes sapidus), espécie exótica invasora, já está por todo o Delta do Ebro e os impactos nos ecossistemas são devastadores, conclui um estudo científico publicado agora.

Este caranguejo, nativo do Atlântico Oeste (desde a América do Norte até à Argentina), está presente na Europa desde o início do século XX.

Caranguejo-azul. Foto: Jarek Tuszyński/WikiCommons

Durante mais de 100 anos não foi considerado um problema ambiental especialmente grave. Mas nas últimas décadas expandiu-se de forma explosiva pela Europa e Norte de África. Em algumas das zonas ocupadas tem hoje abundâncias muito elevadas.

Portugal, por exemplo, já se vê a braços com esta espécie exótica invasora. Até 2016, apenas se tinham registado cinco indivíduos em todo o território português, mas entre 2016 e 2017 este cenário alterou-se drasticamente: houve uma escalada no número de registos no sul do país, em especial no estuário do Guadiana e na Ria Formosa.

O caranguejo-azul é um caranguejo grande e um predador eficaz. Por isso, era previsível que causasse impactos significativos nos ecossistemas invadidos. Mas até agora apenas existiam provas desses impactos na literatura científica. Um trabalho liderado pela Estação Biológica de Doñana – CSIC e pelo Parque Natural do Delta do Ebro, publicado na revista Marine Pollution Bulletin, acaba de confirmar os piores receios.

A equipa compilou dados da presença do caranguejo-azul no Delta do Ebro usando observações directas e entrevistas a pescadores para descrever a expansão da espécie.

Os investigadores também estudaram as abundâncias de caranguejo-azul e de outras espécies ao longo de 10 anos, a partir de programas de seguimento, capturas de pescarias tradicionais nas lagoas litorais e dados obtidos em mercados de peixe.

“Todas as análises nos permitiram avaliar os possíveis impactos deste caranguejo nas diferentes espécies de peixes e de crustáceos”, explicou, em comunicado, Miguel Clavero, investigador da Estação Biológica de Doñana – CSIC.

O caranguejo-azul foi detectado em 2012 em La Tancada, uma das grandes lagoas do Delta do Ebro. Cinco anos depois, em 2017, o caranguejo iniciou uma rápida expansão e a sua abundância começou a aumentar exponencialmente, um processo que parece ter desacelerado a partir de 2020.

Caranguejo-azul. Foto: MichalPL/WikiCommmons

Hoje, o caranguejo-azul está presente em todos os sistemas aquáticos do Delta do Ebro, nas suas baías, nas águas marinhas circundantes e ao longo do curso do rio Ebro até Azud de Xerta, uma barreira intransponível situada a 30 quilómetros.

“A irrupção do caranguejo-azul causou importantes declínios em diferentes espécies, incluindo algumas em perigo de extinção a nível mundial como a carpa-de-dentes-espanhola (Aphanius iberus) ou a enguia (Anguilla anguilla)”, alertou Clavero.

Segundo a Estação Biológica de Doñana – CSIC, a abundância da carpa-de-dentes-espanhola foi diminuindo à medida que ia aumentando a do caranguejo-azul, até que, em 2020, chegou aos valores mínimos desde que há registos para a espécie.

Em mínimos históricos também se encontra a enguia, uma espécie que já sofria um forte declínio histórico e cuja abundância no Delta do Ebro decaiu drasticamente desde a chegada do caranguejo-azul.

Mas o impacto negativo deste caranguejo não se ficou por estas duas espécies. Outra das afectadas é o caranguejo-verde (Carcinus aestuarii) que, até à chegada do caranguejo-azul, era o caranguejo dominante nas águas marinhas e salobras do Delta do Ebro. “Depois da irrupção do caranguejo-azul, o caranguejo-verde praticamente desapareceu do Delta”, salientou o investigador. A análise dos desembarques mensais nos mercados de peixe mostram uma “assombrosa coincidência temporal entre o desaparecimento do caranguejo-verde e as primeiras capturas comerciais de caranguejo-azul”.

O caranguejo-azul tornou-se numa espécie chave no Delta do Ebro e modificou rapidamente as características das comunidades aquáticas. Importa agora, dizem os investigadores, continuar a estudar os impactos desta espécie para encontrar ferramentas para prevenir ou mitigar o seu potencial invasor em outras zonas húmidas costeiras ibéricas, entre elas a Ria Formosa, em Portugal.

Hoje ainda não existem medidas eficazes de gestão para controlar ou limitar a expansão das populações invasoras de caranguejo-azul. “Como medida preventiva poderiam ser implementadas estratégias de captura intensiva da espécie em locais com especial interesse de conservação como, por exemplo, os principais bastiões da carpa-de-dentes-espanhola, ou económico, como por exemplo explorações de produção de bivalves.”


Saiba mais sobre o caranguejo-azul em Portugal neste artigo já publicado na Wilder, com a ajuda de João Encarnação, investigador do CCMAR – Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.