Europa tem 380.000 hectares disponíveis para o regresso do urso

Investigadores alemães concluíram que a Europa pode representar uma grande oportunidade para esta espécie. Depois de ter desaparecido de muitos territórios, o urso-pardo tem hoje muito espaço para regressar.

 

Há 500 anos havia ursos-pardos (Ursus arctos) em quase todo o lado na Europa. Mas nos séculos seguintes, a situação tornou-se mais difícil para esta espécie. De facto desapareceu de muitas regiões, incluindo em Portugal.

As razões para este declínio são conhecidas. A caça e a perda de habitat são as mais relevantes.

Hoje, cerca de 17.000 ursos-pardos vivem na natureza, distribuídos por 10 populações em 22 países europeus, segundo estes investigadores, do German Centre for Integrative Biodiversity Research (iDiv) e da Martin Luther University Halle-Wittenberg (MLU). Algumas destas populações arriscam desaparecer. São demasiado pequenas.

Mas a sorte do urso-pardo parece estar a mudar, mais uma vez.

 

Fêmea com duas crias, observadas em Setembro nas Montanhas Tatra, no Sul da Polónia. Foto: Adam Wajrak

 

Um estudo científico, publicado a 9 de Julho na revista Diversity and Distributions, revela que ainda há muitas áreas na Europa que hoje não têm ursos mas que, em princípio, são adequadas em termos de habitat. Os cientistas estimam que haja mais de um milhão de hectares nessas condições. Desses, 37% (o equivalente a 380.000 hectares) não são povoados. Por exemplo, na Alemanha existem 16.000 quilómetros quadrados de habitat potencial para o urso-pardo.

“O facto de ainda haver habitat adequado para os ursos-pardos é uma excelente oportunidade para a conservação da espécie”, comentou, em comunicado, o coordenador do estudo, Néstor Fernández, do iDiv e da Universidade de Halle.

Mas ainda que no futuro a espécie possa recolonizar partes da Europa, essa probabilidade varia imenso, salientam os investigadores. Na Alemanha, os habitats potenciais fora dos Alpes estão geograficamente isolados e será pouco provável que o urso regresse de forma natural.

A equipa criou um mapa com a previsão das áreas de regresso do urso.

 

Mapa da Europa mostra áreas hoje com urso (a azul), áreas com habitat adequado segundo o novo estudo mas ainda não ocupadas (a verde) e áreas não adequadas para o urso (a cinzento). Dados: Néstor Fernández

 

Para este estudo, os investigadores trabalharam os resultados de todos os estudos anteriores relevantes sobre o habitat do urso-pardo. Foram delimitadas as áreas onde os ursos vivem e para cada uma foram analisados os requisitos dos animais em termos do habitat de que precisam. Depois, os cientistas criaram um modelo computacional para identificar outros habitats potenciais na Europa.

Este mapa torna claro que os ursos não reconhecem fronteiras nacionais. “É por isso que é desejável existir uma gestão comum para esta e para outras espécies de animais selvagens à escala europeia”, defendeu Fernández. De momento, as políticas dos vários países em relação à protecção e gestão do urso-pardo é muito heterogénea.

Actualmente, cerca de 70% das populações europeias estão a recuperar e é provável que os ursos possam regressar a algumas das zonas actualmente desocupadas. “Na Alemanha, por exemplo, é muito provável que algumas áreas sejam, mais cedo ou mais tarde, recolonizadas pelos ursos-pardos, especialmente na região dos Alpes”, acrescentou Fernández.

Para muitas pessoas, isto são boas notícias. “Nos últimos anos, a atitude dos europeus em relação à vida selvagem mudou muito”, considerou o investigador. “Hoje, muitas pessoas querem o regresso dos grandes animais.”

Ainda assim, o facto de o urso regressar pode implicar conflitos com algumas actividades humanas. E isto tem de ser levado em consideração. Estes conflitos surgem, especialmente, quando os ursos se alimentam de colheitas, danificam colmeias ou, ocasionalmente, atacam ovelhas. Ataques directos a humanos são extremamente raros e os ursos normalmente mantêm-se afastados.

Os investigadores acreditam que este mapa pode ajudar os decisores políticos a identificar potenciais áreas de conflito e accionar medidas específicas. Além do pagamento de compensações, o estudo fala na construção de barreiras físicas junto dos apiários, de redes eléctricas, o uso de cães de guarda em pastagens e uma maior sensibilização das pessoas.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Recorde a crónica que Miguel Dantas da Gama dedicou ao urso-pardo, publicada em Maio passado na Wilder.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.