Expedição está de partida para descobrir os ecossistemas profundos do Atlântico

A bordo do navio B/O Sarmiento de Gamboa, uma equipa internacional de cientistas vai estar em Julho e Agosto ao redor das ilhas de Cabo Verde para estudar os ecossistemas de profundidade.

A expedição iMirabilis2, liderada pelo Instituto Espanhol de Oceanografia (IEO, CSIC), vai partir de Vigo, na Galiza, a 23 de Julho. No total serão seis semanas no mar, navegando para sul até à região de Cabo Verde e retornando a Las Palmas, nas Ilhas Canárias, a 30 de Agosto. A bordo estarão 10 investigadores portugueses da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental de Portugal (EMEPC).

Sarmiento de Gamboa no porto de Vigo. Foto: Nuno Vasco Rodrigues

“Utilizando tecnologia e técnicas de pesquisa de ponta”, os investigadores querem “reunir informações que irão ajudar a caracterizar o estado ambiental e resiliência dos ecossistemas numa vasta áreas do Atlântico”, explica um comunicado da EMEPC enviado ontem à Wilder.

A primeira parte da expedição (de 23 a 30 Julho) será dedicada a estudar a geologia do fundo do mar ao longo da elevação Açores-Biscaia, uma crista linear de 3000m de altura situada a aproximadamente 700 km a oeste da costa ibérica.

“Liderada por cientistas da EMEPC, este trabalho irá utilizar o veículo operado remotamente (ROV) Luso, um robô que permite o acesso ao mar profundo e a recolha de dados que irão contribuir para a nossa compreensão sobre a expansão do Oceano Atlântico ao longo dos últimos 75 milhões de anos, bem como sobre os ecossistemas que habitam essa parte do fundo marinho”, explica o comunicado.

ROV Luso. Foto: EMEPC

Paralelamente, uma equipa de cientistas cabo-verdianos da ONG Projecto Vito irá recolher dados observacionais sobre a ecologia das aves marinhas.

“A equipa está muito entusiasmada e motivada para mergulhar nessas áreas remotas e recolher dados e informações que possam contribuir para aumentar o nosso conhecimento sobre a evolução geológica do Atlântico Norte e sobre os habitats e ecossistemas de profundidade que se desenvolveram ao longo de importantes estruturas geomorfológicas, como a elevação Açores-Biscaia”, comentou Pedro Madureira, líder da primeira etapa da expedição.

Depois de uma breve paragem em Las Palmas, na Ilha de Gran Canaria, a segunda etapa da expedição incidirá no estudo dos ecossistemas e habitats de águas profundas na área ao redor das ilhas de Cabo Verde. “Usando instrumentos e equipamentos de última geração, a equipa a bordo irá recolher dados que ajudarão os cientistas a entender melhor a distribuição dos habitats e da vida marinha no fundo do mar ao redor de Cabo Verde.” 

Para isso será usado o veículo autónomo subaquático (AUV) Autosub6000, o submarino robótico do UK National Oceanography Centre (NOC) que realiza missões de pesquisa pré-programadas e autónomas. Este vai mapear áreas do fundo do mar usando sonar e fotografia. “O Autosub6000 também será equipado com o novo instrumento do NOC para amostrar DNA ambiental da água do mar, o que dará aos cientistas uma visão forense sem precedentes da diversidade da vida no oceano”, acrescentam os responsáveis portugueses que participam na expedição.

Autosub6000. Foto: National Oceanography Centre

O ROV Luso será usado para realizar pesquisas mais detalhadas de ecossistemas específicos e as sondas do fundo do mar da Universidade Heriot- Watt serão utilizadas para investigar como esses ecossistemas funcionam – por exemplo, olhando para as cadeias alimentares e taxas de respiração.

Além disso, amostras de sedimentos do fundo do mar ajudarão a revelar as condições ambientais anteriores nas profundezas do oceano, o que requer algum trabalho de “detective científico”. “Isto é necessário para que possamos identificar as mudanças ambientais do passado, compreender os fatores que as provocaram, avaliar como essas mudanças afetaram a biodiversidade e os ecossistemas marinhos e determinar o que isto significa para a vida marinha do Atlântico no futuro”.

Segundo o biólogo marinho Rui Freitas (da Atlantic Technical University, Cabo Verde) “o arquipélago de Cabo Verde é considerado um hotspot mundial de biodiversidade marinha, mas enfrenta ameaças como a poluição e os efeitos das alterações climáticas. A iMirabilis2 será uma campanha muito ambiciosa que usará tecnologias marinhas avançadas para produzir novos e detalhados dados importantes da área do mar profundo de Cabo Verde, sobre a qual sabemos ainda muito pouco.”

Percurso da expedição

Esta expedição esteve inicialmente prevista para 2020 mas foi adiada por causa da pandemia de COVID-19.

“A emocionante perspectiva de explorar uma área relativamente desconhecida do Atlântico e um entusiasmo coletivo para aprender mais sobre os ecossistemas de águas profundas de Cabo Verde têm sido as principais forças motrizes para manter toda a equipa motivada e empenhada em fazer esta expedição acontecer”, comentou Covadonga Orejas, a líder da expedição e investigadora do Instituto Espanhol de Oceanografia.

A iMirabilis2 é uma expedição no âmbito do projeto de pesquisa iAtlantic (Avaliação Integrada dos Ecossistemas Marinhos do Atlântico no Espaço e no Tempo), financiado pela União Europeia e coordenado por Murray Roberts na Universidade de Edimburgo, Reino Unido. Envolve um consórcio de 33 instituições parceiras da Europa, Argentina, Brasil, África do Sul, Canadá e EUA, complementado por uma rede mais ampla de parceiros associados.

“Só nos preocupamos com coisas que conhecemos e entendemos. O mar profundo e o oceano aberto cobrem a maior parte do planeta, mas permanecem os menos conhecidos e compreendidos de todos os ambientes da Terra”, comentou o responsável.

“O projeto iAtlantic está a sentir o pulso dos ecossistemas atlânticos oceânicos profundos e abertos” e “todos os dias aprendemos mais sobre como estes ecossistemas são intrincados e interconectados”.

O investigador defendeu a integração da Ciência mais recente nas discussões políticas, a fim de gerir melhor as actividades humanas. “Devido às várias implicações das alterações climáticas, temos que atuar rapidamente para garantir que todas as atividades humanas no oceano são sustentáveis.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.