Foto: Helena Geraldes/Wilder

Fogo de Monchique atingiu carvalhos endémicos e a Via Algarviana

João Santos, da Almargem – associação de defesa do património cultural e ambiental do Algarve, disse hoje à Wilder que parte substancial da Via Algarviana ardeu, bem como núcleos de carvalho-de-Monchique. O incêndio, que lavra naquela serra desde 3 de Agosto, ganhou intensidade ao final da tarde.

 

O incêndio que deflagrou cerca das 13h30 da sexta-feira passada, dia 3 de Agosto, está a ser combatido por cerca de 1.200 operacionais, apoiados por 358 viaturas e 14 meios aéreos, segundo a Autoridade Nacional para a Protecção Civil (ANPC).

O vento causou novos reacendimentos ao final da tarde de hoje, quando antes a situação parecia começar a ficar controlada. De acordo com a ANPC, “regista-se em todo o perímetro fortes reactivações que, associadas à intensidade do vento, tomam de imediato grandes proporções”.

“Ainda é difícil dizer qual o impacto deste incêndio, porque ainda não está terminado”, disse hoje à Wilder João Santos, da Almargem. Ainda assim, nestes três dias de fogo, já se sabe que “na zona da Picota, o que restava dos carvalhos de Monchique ardeu completamente”.

A Via Algarviana – uma rota pedestre que liga Alcoutim ao Cabo de São Vicente, com 300 quilómetros de extensão – também foi atingida. “Uma parte muito substancial ardeu”, acrescentou o responsável.

O fogo também chegou à ribeira de Odelouca e a zonas de barrancos importantes para a vida selvagem. “Essas são zonas com muito interesse, algumas delas com ninhos de aves de rapina, por exemplo.”

Foram esses barrancos que serviram como zona de refúgio para várias dezenas de veados que, no grande incêndio que atingiu a região em 2003, se viram obrigados a sair dos cercados onde viviam na Serra de Silves.

Com os anos, a população de veados expandiu-se da Serra de Silves para a Serra de Monchique. Hoje deverão ocorrer ali cerca de 300 veados.

Ainda não se sabe o que aconteceu hoje a estes animais. “Claro que poderá haver mortalidade directa. Por exemplo, nos grandes incêndios do ano passado, em Outubro, registou-se uma mortalidade de entre 15 a 20% da população de veados”, explicou Carlos Fonseca, coordenador da Unidade de Vida Selvagem da Universidade de Aveiro.

Ainda assim, estes animais “detectam o fogo com alguma antecipação e podem deslocar-se rapidamente”. O problema, acrescentou à Wilder, é “quando os animais ficam encurralados nos vales, mais frescos, onde se refugiam”.

Grande parte da área ardida nos últimos dias era uma zona que já tinha sido atingida pelos incêndios de 2003. “Nessa altura ardeu praticamente todo o concelho de Monchique. Mas, nestes 15 anos, muita da vegetação recuperou, como os carvalhos, castanheiros e matos. Ao mesmo tempo foram surgindo matas de eucaliptos, sem estarem bem estruturadas, e onde os bombeiros não conseguem entrar. Esta é a causa do problema”, disse João Santos.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.