Fogo pode ter afectado investigação sobre alterações climáticas na Serra da Estrela

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A equipa de investigadores do Ecolab Estrela está desde 2019 a estudar o impacto das alterações climáticas nas plantas do planalto superior da Serra da Estrela. Há o receio de o fogo ter afectado anos de trabalho.

Quando a Wilder falou com Susana Rodríguez Echeverría, investigadora do Centro para a Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, ainda não se sabia quais os impactos do incêndio que já destruiu mais de 23.000 hectares da Serra da Estrela no seu projecto, o Ecolab Estrela.

Susana Rodríguez Echeverría e outra investigadora a trabalhar numa das estruturas aquecidas. Foto: Ecolab Estrela

Desde 2019 que esta investigadora e a sua equipa estão a estudar como respondem algumas espécies de plantas relevantes do planalto superior ao clima e às alterações climáticas. O estudo acaba em 2023.

“Tenho seguido as notícias sobre os incêndios na Serra da Estrela com grande preocupação”, comentou Susana Rodríguez Echeverría à Wilder.

Até então, o fogo ainda não tinha chegado a nenhuma zona alvo do projecto Ecolab Estrela.

“Se o fogo chegar perdemos o trabalho feito até agora porque estes estudos precisam de vários anos de dados. Mesmo sem chegar o fogo, também pode ter um efeito por causa das cinzas que de certeza vão chegar e ao depositar podem afetar os processos e microorganismos do solo e a fisiologia das plantas.”

Esta equipa quer saber como respondem os arbustos às alterações climáticas, quais os limites à sua resiliência. “Estamos a usar técnicas de dendrocronologia e anatomia da madeira para estudar como respondem ao clima duas espécies que só crescem no planalto superior – o zimbro (Juniperus communis alpina), o piorno (Cytisus oromediterraneus) e um arbusto de distribuição cosmopolita, a torga (Calluna vulgaris). São espécies usadas como modelo para entender a resposta das plantas às alterações climáticas.

Zimbro. Foto: João Domingues Almeida/FloraOn

Além disso, estão a ser feitos estudos experimentais em cinco cervunais localizados entre 1.500 e 1.900 metros de altitude para entender o efeito do aquecimento nos ciclos biogeoquímicos e na biodiversidade dos solos, e na diversidade, produtividade e dinâmica das comunidades vegetais. “Os cervunais são ecossistemas de relevância ecológica pela presença de espécies endémicas e raras, e económica por serem as pastagens usadas no verão pelos rebanhos”, salienta a investigadora.

Para tal, a equipa faz amostragens nos cervunais no topo da serra, procurando, por exemplo, folhas ainda verdes de cervum (Nardus stricta) para analisar o efeito do calor e da herbivoria nesta espécie, ou ainda fazendo recolha de solos em várias épocas do ano para analisar em laboratório e responder a várias perguntas: serão os ciclos de nutrientes diferentes a altitudes diferentes? Há diferenças entre solo com vegetação diferente? E como afecta o aquecimento global a disponibilidade de nutrientes para as plantas alpinas?

Entre o trabalho de campo já feito está também a recolha de torgas pelos caminhos da Serra da Estrela, que crescem em condições climáticas diferentes.

E a instalação e monitorização de unidades experimentais aquecidas. “Essas estruturas aquecem o ar no interior e assim podemos comparar a situação atual (amostras fora das estruturas) com o que acontece dentro onde há uma temperatura em média 3 graus superior.”

Um dos locais de estudo com as estruturas usadas na experiência de aquecimento. Foto: Ecolab Estrela

Neste momento já é possível entender um pouco melhor de que forma as espécies botânicas estudadas se conseguem adaptar às alterações climáticas.

“Pelos resultados analisados até agora parece que o zimbro aproveita as temperaturas mais altas no final do inverno, enquanto o piorno aproveita melhor os outonos quentes, em ambos os casos para ter uma estação de crescimento mais longa, sempre dependente da disponibilidade de água”, explicou Susana Rodríguez Echeverría.

“No caso dos cervunais, tivemos resultados diferentes que também parecem ter a ver com a disponibilidade de água e as características dos solos. Nos solos mais profundos, com maior retenção de água, há uma maior produtividade nas unidades experimentais aquecidas, ou seja, o aquecimento inicialmente resulta num maior crescimento do cervunal. No entanto ainda não temos dados sobre a qualidade nutritiva destas plantas, nem dados suficientes para saber se este é um efeito a longo prazo já que sim estamos a ver alterações em alguns processos relacionados com o ciclo do fósforo, um nutriente limitante do crescimento vegetal.”

Fogo pode destruir sementes e bolbos de espécies endémicas ou raras nos cervunais

Por enquanto, as espécies mais afetadas por este incêndio na Serra da Estrela foram espécies florestais, cuja recuperação pode demorar décadas, dependendo da intensidade do fogo. “Além dos pinheiros acho mais preocupante a destruição de bosques de azinheiras, carvalho-negral, ou castanheiros”, comentou a investigadora.

Uma amostra de zimbro para o estudo de dendrocronologia. Foto: Ecolab Estrela

Foram também afectadas todas as “espécies de plantas, animais ou fungos destes bosques”.

“Também vi que foi afetada uma das áreas de caldoneira (endemismo Echinospartum ibericum).  A destruição destas comunidades traz também consequências negativas para os solos que ficam com um risco maior de erosão e que pode não só contaminar os rios e ribeiras mas também dificultar mais a recuperação da vegetação.”

Segundo Susana Rodríguez Echeverría, “nos ecossistemas que estamos a estudar sabemos que o piorno e a torga conseguem recuperar após o fogo, mas o zimbro não”.

A passagem do fogo pelos cervunais pode levar à “destruição de sementes e bolbos de espécies endémicas ou raras como a Festuca henriquesii“. Esta planta é um endemismo da parte alta da Serra da Estrela. Outra espécie ameaçada será o Narcissus asturiensis.

Narcissus asturiensis. Foto: Sergio Chozas/FloraOn

“A diversidade de insectos nos cervunais pode também estar comprometida como, por exemplo, o grilo-de-sela, que é uma espécie de distribuição restrita mas normalmente fácil de ver nos locais de estudo.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.