Fotógrafo de natureza percorre a Serra do Caramulo após o fogo

Os incêndios que devastaram parte do país e causaram perdas humanas e materiais, devastaram a natureza da Serra do Caramulo. João Cosme, fotógrafo de natureza da região de Vouzela, mostra-lhe o que aconteceu às espécies selvagens.

 

 

WILDER: Qual o impacto dos incêndios na Serra do Caramulo?

João Cosme: Em primeiro lugar, é de lamentar as perdas humanas e os bens materiais perdidos por dezenas de famílias. Mas este incêndio destruiu completamente o património natural. Algumas manchas de folhosas, como carvalhos e castanheiros, podem ainda sobreviver mas só na próxima Primavera teremos essa confirmação. A Reserva Botânica de Loendros, única no país, foi totalmente devastada por este fogo, perdeu-se uma relíquia e o símbolo desta região.

 

 

W: E quanto à fauna?

João Cosme: O fogo teve um impacto gravíssimo na fauna selvagem, com inúmeras espécies atingidas mortalmente. Ainda assim, nunca abordamos muito este tema nos incêndios, nunca são notícia. Nos últimos dias depois do incêndio tenho percorrido o terreno praticamente todos os dias e, infelizmente, tenho observado muitos animas sem vida. Um dos afectados no imediato será o turismo de natureza que, sem dúvida, estava a crescer no concelho de Vouzela. Tudo indica que nos próximos tempos pode ter um decréscimo na procura.

 

 

W: Já tinha havido grandes incêndios nessa serra há cerca de quatro anos. O fogo agora atingiu os mesmos locais?

João Cosme: Sim, o fogo voltou atingir a zona sul da serra do Caramulo. Mas desta vez tomou outras dimensões muito mais prejudiciais e com um impacto bem mais elevado no património natural e edificado. Segundo dados do município, cerca de 90% da área florestal foi atingida e destruída por este incêndio, uma percentagem assustadora.

 

W: Enquanto profundo conhecedor da região, que espécies mais sofreram com os incêndios?

João Cosme: No imediato, o coberto vegetal e toda a sua biodiversidade. Mas muitas espécies são afectadas, desde mamíferos, aves, répteis, insectos e anfíbios. Não tenho dados concretos mas este tipo de destruição deve causar uma mortalidade elevada na fauna selvagem. Neste momento é assustador a quantidade de espécies que tenho encontrado no terreno. E não ando com o objetivo de verificar os prejuízos na fauna.

 

W: De que forma podem os cidadãos ajudar a serra a recuperar? 

João Cosme: Nesta primeira fase temos uma entidade, o ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas) que, juntamente com o Município de Vouzela, devem avaliar e criar medidas para colocar em prática o mais breve possível. Depois, muito importante e no imediato, as populações locais deveriam ser informadas e aconselhadas para não se cometerem novamente alguns erros. As populações tem que perceber e sentir que o Município e o Parque Natural local Vouga Caramulo são aliados. Mas para isto é necessário uma boa coordenação, informação e sensibilização por parte do município e juntas de freguesias. Esta calamidade pode ser uma oportunidade para criar e valorizar um património e para que estas populações tenham e vejam benefícios, que sintam que a preservação do mundo natural é útil para todos.

No incêndio anterior, fez-se uma grande campanha para reflorestar a serra do Caramulo. Penso que mais uma vez este esforço não teve o efeito pretendido. Não sou a favor destas campanhas se não forem bem elaboradas e acompanhadas durante anos no terreno para que as plantações tenham sucesso. Estou convencido que, com o sucedido, as entidades competentes e os cidadãos vão encarar esta destruição de outra forma, e aproveitar para criar uma área protegida de excelência.

 

 

W: Enquanto fotógrafo profissional de natureza a trabalhar na região, de que forma este incêndio te afecta? 

João Cosme: É uma desolação total. Foi nesta região que comecei a gostar e a respeitar o mundo natural, foi onde iniciei a minha paixão pela fotografia de natureza, onde organizava workshops e expedições fotográficas. Era o meu “escritório” onde passava horas infinitas de observação, estudo e fotografia. Em termos profissionais, claro que sou afectado. Tinha projetos em desenvolvimento, uma série de planos para novos desafios. Provavelmente terão que ser adiados. Tenho esperança de que vamos recuperar e ter uma serra ainda mais promissora para a conservação da natureza e para o turismo de natureza.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.