Fundo português entrega 150.000 euros para ajudar cachalote e enguia-europeia

Os vencedores da 2ª edição do Fundo para a Conservação dos Oceanos foram revelados esta manhã numa cerimónia no Oceanário de Lisboa. Um projecto sobre o cachalote (espécie Vulnerável) na Madeira e outro sobre a enguia-europeia (espécie Criticamente Em Perigo) nos Açores vão receber 150.000 euros.

 

O Fundo para a Conservação dos Oceanos, lançado em 2017 pelo Oceanário de Lisboa e pela Fundação Oceano Azul, destina este ano 150.000 euros para projectos científicos que ajudem a conservar a biodiversidade marinha, mais 50.000 do que em 2017.

Com o tema “Espécies Marinhas Ameaçadas. Da Ciência para a Consciência”, a 2ª edição do fundo recebeu 14 candidaturas de 11 instituições. 

O projecto Eel Trek – para ajudar a travar a extinção da enguia-europeia (Anguilla anguilla), espécie Criticamente Em Perigo – recebeu 100.000 euros. Desenvolvimento pela Fundação Gaspar Frutuoso, este projecto vai estudar a migração da espécie entre os rios dos Açores e o oceano. 

Apesar de em tempos ter sido muito frequente e abundante por toda a Europa, hoje a enguia-europeia está a registar “um declínio assustador”, disse esta manhã José Manuel Azevedo, investigador do Grupo de Biodiversidade Açoriana do cE3c – Centro para a Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. “É muito provável que se extinga em breve.”

Todos os anos por esta altura, as enguias adultas saem dos rios um pouco por toda a Europa em direcção ao mar. Depois de uma viagem de milhares de quilómetros, as enguias chegam ao seu destino, o Mar dos Sargaços. Aí vão reproduzir-se e morrer. As larvas suas descendentes tornam a fazer a viagem de regresso aos rios da Europa, ao sabor das correntes oceânicas, demorando mais ou menos dois anos a chegar às águas doces e salobras de onde os progenitores partiram. Uma vez aí chegadas, ocorre a metamorfose para o estádio seguinte, conhecido como o meixão. Se não forem capturadas, chegam à fase adulta.

Segundo disse José Manuel Azevedo à Wilder, esta espécie – classificada como Criticamente Em Perigo pela Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) – enfrenta ameaças globais, como as alterações climáticas, mas também locais, como as barragens que lhes impede as migrações nos rios e a captura ilegal de meixão. A situação, diz, “é catastrófica”.

O projecto Eel Treck – que tem como parceiras instituições britânicas, como a Zoological Society of London, e a Universidade dos Açores – vai tentar perceber a importância dos Açores para as enguias-europeias. Segundo o investigador, “já começámos a fase de campo inicial para identificarmos onde poderemos capturar enguias para lhes colocarmos transmissores” de seguimento por satélite. O objectivo é reunir evidências da migração das enguias para o Mar dos Sargaços.

 

Cachalote, um “desconhecido” na Madeira

A outra espécie que vai beneficiar do Fundo para a Conservação dos Oceanos é o cachalote (Physeter macrocephalus). O Whales Tales Project recebeu hoje 50.000 euros para estudar esta espécie classificada como Vulnerável no arquipélago da Madeira, região onde existe pouca informação sobre a utilização de habitat por esta espécie.

 

 

“Quando abriram as candidaturas à 2ª edição deste Fundo, uma espécie veio-nos logo à cabeça: o cachalote”, contou Filipe Alves, investigador do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente. É uma espécie icónica, ameaçada e um excelente bioindicador da saúde dos oceanos.

Ainda assim, sabe-se muito pouco sobre os seus padrões de movimento e as dinâmicas populacionais. O objectivo deste projecto – proposto pela Arditi – Agência Regional para o Desenvolvimento da Investigação, Tecnologia e Inovação – é estudar os seus movimentos, determinar se têm áreas de preferência e padrões de residência, por exemplo.

Para isso, os investigadores irão colocar emissores de satélite em algumas baleias, fazer genética populacional – através, por exemplo, de amostras de pele -, censos visuais e identificação dos indivíduos através de fotografias das suas barbatanas caudais (diferentes de indivíduo para indivíduo).

“É a maior criatura com dentes à face do planeta” e ainda assim há um grande desconhecimento em relação a ela, acrescentou Filipe Alves.

Esse desconhecimento está longe de se limitar aos cachalotes e às enguias-europeias. Segundo Tiago Pitta e Cunha, presidente executivo da Fundação Oceano Azul, estima-se que existam entre 700.000 e um milhão de espécies nos oceanos. Mas apenas 13.414 estão avaliadas pela UICN.

“Este Fundo é muito importante para nós”, comentou esta manhã no Auditório Mar da Palha, no Oceanário de Lisboa. “Os desafios aos oceanos são inúmeros, desde as alterações climáticas, poluição e entronização à sobre-pesca e à impressionante destruição das zonas costeiras”, acrescentou.

Na opinião do responsável, torna-se cada vez mais essencial “olhar para os habitats mas também para as espécies que lá vivem” e “criar planos e implementá-los”, não apenas para manter o que existe mas para restaurar.

A primeira edição do Fundo, de 100.000 euros, teve como tema “Raias e tubarões. Da escuridão para a luz da ciência”. Foram seleccionados três projectos com a duração de três anos.

Os projectos vencedores são seleccionados por um jurí internacional constituído por especialistas na área da conservação, concretamente dos comités de conservação da UICN e da EAZA –  European Association of Zoos and Aquariums. Nesta edição foram avaliados projetos de conservação dedicados a espécies marinhas classificadas como “Criticamente em Perigo”, “Em Perigo” e “Vulnerável”, segundo a Lista Vermelha da UICN.

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Relembre os vencedores da 1ª edição do Fundo para a Conservação dos Oceanos.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.