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Abutre-preto. Foto: Juan Lacruz/Wiki Commons

Governo aprovou plano de acção para ajudar abutres e grifos em Portugal

O aumento de alimentos disponíveis para estas espécies é um dos principais objectivos do Plano de Acção para a Conservação das Aves Necrófagas, publicado a 12 de Agosto em Diário da República.

Esta é uma das principais prioridades da estratégia elaborada pelo Instituto Nacional da Natureza e das Florestas (ICNF), em articulação com a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária, que aguardava “luz verde” do Governo desde 2015.

O documento agora aprovado, num despacho publicado em Diário da República, alerta para a necessidade de haver mais alimentação disponível para as aves necrófagas em Portugal, em especial para fortalecer a reprodução do abutre-preto (Aegypius monachus), Criticamente em Perigo, e do abutre-do-Egipto ou britango (Neophron percnopterus), Em Perigo de extinção.

Desde os anos 1990 que passou a ser proibido o abandono de carcaças de animais de gado nos campos, por imposição da União Europeia, numa tentativa de evitar que se espalhasse a doença da encefalopatia espongiforme. Abutres e grifos passaram a alimentar-se exclusivamente nos chamados campos de alimentação para aves necrófagas, áreas completamente vedadas, onde é regularmente depositada a comida.

Abutres-pretos e abutre-do-Egipto (em primeiro plano), num campo de alimentação. Foto: Samuel Infante/Quercus

Entretanto as regras noutros países europeus suavizaram-se, incluindo Espanha, onde hoje em dia é permitido deixar gado morto nos campos. Como resultado, muitas aves necrófagas junto à fronteira optam por se alimentar do lado espanhol, concluíram cientistas num estudo publicado em 2018.

A partir de agora, em Portugal, o primeiro passo deverá ser a alteração da legislação actual, com o estabelecimento de regras para que estas espécies se possam alimentar de carcaças de animais abandonadas, fora dos CAAN. O plano define o prazo de seis meses para a entrega de uma proposta de alterações, ou seja, até Fevereiro do próximo ano.

Deverá seguir-se a criação de “zonas de protecção para alimentação de aves necrófagas fora dos campos de alimentação”, em parceria com explorações pecuárias e entidades gestoras de caça. Estas terão de cumprir uma série de regras, mas o objectivo é “repor o padrão ecológico natural de disponibilidade de alimento para as aves necrófagas, nomeadamente o seu caráter esporádico e irregular, e fomentar um sistema de aprovisionamento sustentável baseado no sistema pecuário extensivo.”

A meta em cima da mesa é a criação de cinco destas zonas no prazo de um ano, ou seja, até Agosto de 2020.

Ao mesmo tempo, os CAAN deverão passar a funcionar em rede, com a definição de novas regras e obrigações, ficando o ICNF como entidade coordenadora, “avaliando periodicamente o cumprimento das regras e da necessidade de promover alterações”.

Oito espécies mais beneficiadas

Além de fazer o retrato da situação das espécies com estatuto de ameaça, o novo plano estabelece objectivos gerais para a conservação deste grupo de aves, a começar pelas que são “estritamente necrófagas”. O abutre-preto e o abutre-do-Egipto são os alvos principais das novas medidas, mas também o grifo (Gyps fulvus).

A estratégia agora aprovada dirige-se também a espécies que só por vezes se alimentam de cadáveres, como o milhafre-preto (Milvus migrans), o milhafre-real (Milvus milvus), a águia-real (Aquila chrysaetos), a águia-imperial (Aquila adalberti) e o corvo (Corvus corax).

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Águia-imperial-ibérica. Foto: Juan Lacruz/Wiki Commons

Apesar de serem legalmente protegidas, “as aves necrófagas existentes em Portugal encontram-se genericamente em situação populacional vulnerável, como reflexo da existência de problemas de conservação de elevada complexidade”, pode ler-se neste plano de acção, que lembra que “espécies como o britango, o milhafre-real e o corvo têm sofrido regressão demográfica, com o desaparecimento de alguns núcleos nidificantes”.

Principais problemas apontados? A redução da disponibilidade de alimentos; a mortalidade não natural provocada pela electrocussão em linhas eléctricas, por exemplo; a diminuição de produtividade das populações destas aves; a falta de suportes adequados para a construção de ninhos, em especial no caso do abutre-preto; falta de interesse e de sensibilização das populações.

Aumentar o sucesso reprodutor

O novo plano estabelece outros objectivos para a conservação das aves necrófagas, incluindo o aumento do sucesso reprodutor das espécies ameaçadas. Em causa está por exemplo o “fomento de nidificação do abutre-preto” nos locais onde a espécie já tentou nidificar ou já o fez recentemente ou com “elevado potencial”. Assim, em zonas como a Serra da Malcata ou o Tejo e o Douro Internacional, deverão ser identificadas árvores de grande porte e aí instaladas plataformas-ninho, “pelo menos dez em cada núcleo”.

Em cima da mesa está também a redução da mortalidade não natural das aves necrófagas, com o reforço do Programa Antídoto em zonas prioritárias, a criação de um sistema de monitorização de causas de morte, a correcção de mais linhas eléctricas identificadas como perigosas e a diminuição do risco colocado por parques eólicos em zonas mais sensíveis, em especial o Sudoeste do Algarve.

O conhecimento e sensibilização sobre aves necrófagas, a monitorização das populações e a promoção da articulação de medidas de política são outros objectivos gerais da estratégia agora publicada.

O documento define ainda um total de 18 áreas importantes para a conservação destas espécies, incluindo áreas protegidas e áreas classificadas como sendo importantes para as aves (conhecidas por IBA, ‘Important Bird Areas’), principal destino das novas medidas. Com excepção da Costa Sudoeste, todas elas ficam próximas ou junto da fronteira com Espanha.

Para que os trabalhos avancem no terreno, o ICNF tem ainda de desenvolver programas de execução para cada um dos 18 objectivos específicos agora definidos, a começar pelos que são considerados mais urgentes.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.