grifos num rochedo
Grifos. Foto: Dave Massie/Wiki Commons

Grifos a alimentarem-se de noite surpreendem cientistas

Dois investigadores registaram, pela primeira vez no mundo, vários grifos (Gyps fulvus) a alimentarem-se durante a noite, num comportamento contrário ao que é habitual nesta espécie de abutre.

 

Os grifos são aves necrófagas diurnas, que comem carne de gado em decomposição. O facto de terem sido registados grifos a alimentarem-se durante a noite “poderá ser uma resposta à escassez excepcional de alimento”, sugerem as conclusões  do novo estudo, publicadas na revista Ecology, da Ecological Society of America.

“A escassez excepcional de alimentos aumenta a competição entre indivíduos”, adianta Patricia Mateo Tomás, investigadora do Centre for Functional Ecology, da Universidade de Coimbra, e uma das autoras do artigo.

“Esta competição intraespecífica pode aumentar quando os recursos favoritos, como por exemplo carcaças grandes, são escassos. Assim, alguns indivíduos podem passar a alimentar-se à noite para evitar a competição e aumentar a sua possibilidade de acesso a animais mortos, expandindo o seu nicho trófico”, relata a mesma responsável, num comunicado da Universidade de Coimbra.

Da equipa também fez parte um cientista da Universidade Autónoma de Madrid, Pedro P. Olea.

O comportamento invulgar destes grifos, a alimentarem-se durante a noite de carcaças de gado que ali tinham aparecido por acidente ou doença, foi captado com foto-armadilhagem na Cordilheira Cantábrica, no Parque Natural de Somiedo, no Norte de Espanha.

 

grupo de grifos fotografados de noite
Registo dos grifos a alimentarem-se de noite. Foto: Patricia Mateo Tomás e Pedro P. Olea

 

Ainda assim, este acto “não é de todo um comportamento comum nesta espécie, uma vez que só foi encontrado em duas das 93 carcaças de gado monitorizadas” durante o estudo, entre 2011 e 2014, sublinha Patricia Mateo Tomás, que é também investigadora no espanhol Institute for Game and Wildlife Research.

No entanto, o novo registo junta-se a outros actos inesperados já relatados para os grifos, como por exemplo a observação destas aves necrófagas a atacarem gado ou a alimentarem-se em aterros de lixo, “que também estão relacionados com uma escassez de alimentos.”

Conclusão? De futuro é preciso prestar “mais atenção às possíveis consequências ecológicas e evolutivas que uma gestão ineficiente de carcaças animais, mediada pelo homem – recomendam os cientistas – podem ter no nicho trófico de espécies de caça como os abutres”.

Em causa estão por por exemplo os novos sistemas de alimentação de abutres na Europa, introduzidos depois do aparecimento da encefalopatia espongiforme bovina (também conhecida por ‘doença das vacas loucas’), com a criação de campos de alimentação, ou também o desaparecimento de tradições agrícolas, como a transumância.

 

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Recorde o dia em que o número de abutres bateu recordes no Monte Barata, em Portugal.

 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.