Grifo. Foto: Hugo Margues

Grifos sentinelas vão ajudar a combater venenos ilegais em Portugal

O novo projecto vai ser realizado pela associação Palombar – Associação de Conservação da Natureza e do Património Rural, em parceria com a universidade espanhola de Oviedo.

Baptizado como “Sentinelas – marcação e seguimento de grifos Gyps fulvus como ferramenta de combate ao uso ilegal de venenos em Portugal”, o objectivo deste novo projecto é “criar uma rede de sentinelas através da marcação, com dispositivos GPS e anilhas, de exemplares de grifos que possibilite obter informação sobre o uso ilegal de venenos no Norte” do país, informa a Palombar em comunicado.

Nesta primeira fase, está prevista a marcação de 15 grifos, todos eles em territórios da Rede Natura 2000. Estas aves serão a primeira espécie-sentinela da futura rede de espécies-sentinela que vai ser criada, explica a mesma associação, que tem sede na aldeia de Uva, Vimioso, em Trás-os-Montes.

“Este sistema permitirá obter dados sobre a mortalidade por envenenamento e sobre a distribuição espácio-temporal do risco e exposição aos venenos para espécies necrófagas.” O envenenamento ilegal continua a ser hoje “um sério problema para a conservação da biodiversidade, dos ecossistemas e para a saúde pública”, sublinha. 

Mas o seguimento dos grifos vai ajudar também a obter mais informação sobre outras ameaças, como os riscos de colisão com linhas eléctricas e com os aerogeradores em parques eólicos.

Com recurso aos novos dados, os responsáveis do projecto vão analisar ainda a disponibilidade de alimentos no campo para aves necrófagas, “nomeadamente cadáveres de ungulados [animais de casco, como veados e javalis]”, mas também cadáveres “procedentes das actividades pecuárias extensivas”, considerados “fundamentais para a manutenção e conservação” das populações dessas espécies.

grifos num rochedo
Grifos. Foto: Dave Massie/Wiki Commons

O objectivo é estudar também a ocorrência de eventuais conflitos entre estas aves e actividades humanas, como a caça e a pecuária, e com a fauna silvestre. Aliás, os responsáveis da Palombar acreditam que os resultados vão ajudar na conservação não só das aves necrófagas, mas também de mamíferos carnívoros protegidos, como os lobos.

O novo projecto vai apostar ainda na educação ambiental nos concelhos onde decorre, uma vez que “o uso de venenos está intrinsecamente associado a uma forte componente social.” Está prevista a realização de sessões de informação com escolas e com vários grupos de interesse, como caçadores a agricultores, sobre o perigo do uso de venenos e a importância das aves necrófagas. O teatro em comunidade vai ser outra das ferramentas.

Do Gerês ao Douro Internacional

Mas quais são as áreas onde o Sentinelas vai ter lugar? Para já estão previstas quatro zonas, todas elas Zonas de Protecção Especial (ZPE), uma das classificações previstas no âmbito da legislação europeia associada à Rede Natura 2000. Neste caso, trata-se de áreas geográficas com populações importantes de aves necrófagas: ZPE “Serra do Gerês”, “Montesinho/Nogueira”, “Rios Sabor e Maçãs” e “Douro Internacional e Vale do Águeda”.

“Todos estes territórios estão também inseridos em Sítios de Importância Comunitária (SIC) da Rede Natura 2000, sendo que dois deles coincidem ainda com parques naturais, no caso de Montesinho e do Douro Internacional, e um com parque nacional, no caso da Peneda-Gerês.”

De acordo com a Palombar, nestas áreas existe hoje um forte risco de conflitos entre humanos e fauna silvestre, uma vez que são zonas onde se pratica pastoreio extensivo e onde está presente o lobo. E porque incluem territórios de caça onde habitam espécies como a raposa e aves de rapina.

Estas quatro ZPE vão servir como áreas-piloto a nível nacional, para que o novo sistema seja mais tarde alargado a outras regiões do país onde haja problemas com o uso ilegal de veneno, adianta a associação, que nota que “esta poderá ser também uma ferramenta importante e complementar ao Programa Antídoto-Portugal, o qual foi recentemente reactivado“.

 O novo projecto foi aprovado e está a ser financiado pelo Fundo Ambiental, ligado ao Ministério do Ambiente e da Transição Energética.


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E esclareça cinco mitos sobre os abutres em Portugal, neste artigo da Wilder.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.