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Ribeira. Foto: Helena Geraldes (arquivo)

Há cada vez menos peixes migradores nos rios do planeta

A abundância de peixes como a truta, o salmão ou o peixe-gato do Amazonas registou um declínio mundial de 76% nos últimos 50 anos, revela um novo relatório.

 

Nas últimas décadas, os peixes migradores de água doce têm estado sob a “imensa ameaça” da fragmentação de habitats, da sobre-pesca, das alterações climáticas e da poluição.

O resultado é preocupante. Entre 1970 e 2016, as populações destas espécies têm vindo a diminuir de forma alarmante e a um ritmo mais avassalador do que as espécies terrestres ou marinhas.

Se o declínio mundial é, em média, de 76%, na Europa essa percentagem sobe para os 93% e na América Latina e Caraíbas para 84%, alerta o primeiro relatório global sobre o estado dos peixes migradores de água doce (“The Living Planet Index (LPI) for Migratory Freshwater Fish“), publicado ontem pela World Fish Migration Foundation e pela Zoological Society of London (ZSL).

Portugal não escapa a esta realidade, lembra a Associação Natureza Portugal (ANP) – WWF. “Na Bacia do Douro, a maior a nível ibérico e uma das maiores da Europa, a Rede Douro Vivo identificou 57 grandes barragens, 40 mini hídricas e 1105 pequenas e médias barreiras/açudes, num total de 1205 barreiras que impedem que os rios exerçam em pleno as suas funções, e das quais 165 poderiam ser retiradas”, alerta a organização em comunicado.

Para compreender como mudaram as populações de peixes migradores de água doce nos últimos 50 anos, os autores do relatório analisaram os dados referentes a 1.406 populações de 247 espécies.

“Fazemos análises semelhantes para outros grupos de animais, no âmbito do nosso Living Planet Index. Um declínio médio de 76% é um dos mais severos que já encontrámos”, concluiu Stefanie Deinet, da ZSL e uma das autoras do relatório.

O Living Planet Index é um indicador da biodiversidade, baseado nas tendências de abundância de vertebrados em todo o mundo. Actualmente, esta base de dados abrange mais de 19.500 séries temporais de populações de mais de 4.000 espécies de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes.

 

Acções urgentes precisam-se

O “declínio massivo” dos peixes migradores de água doce pode ameaçar a sobrevivência de milhões de pessoas em todo o mundo, sublinha o mesmo relatório. Além disso, estes peixes “têm um papel crucial para manter saudáveis os nossos rios, lagos e zonas húmidas, já que sustentam uma complexa teia alimentar”, segundo um comunicado da World Fish Migration Foundation.

O relatório pede acções urgentes para travar e reverter este declínio alarmante.

“Não podemos continuar a destruir os nossos rios”, disse Arjan Berkhuysen, director da World Fish Migration Foundation. “Isto terá consequências imensas para as pessoas e para a natureza em todo o globo. Podemos, e precisamos, agir agora antes que estas espécies-chave desapareçam para sempre.”

“Os peixes migratórios são fonte de alimento e meios de subsistência para milhões de pessoas, mas isso raramente é tido em conta em tomadas de decisão. Em vez disso, a sua importância para a economia e para os ecossistemas continua a ser subestimada – e as suas populações continuam a colapsar,” afirmou Stuart Orr, Diretor de Água Doce na WWF, uma das organizações que participou neste relatório. “O mundo precisa de implementar um Plano de Recuperação de Emergência que reverta a perda dos peixes migratórios e de toda a biodiversidade de água doce – para benefício das pessoas e da natureza.”

Ainda há a oportunidade de inverter o panorama atual, através de mais investigação e do desenvolvimento de soluções práticas que restaurem e protejam estes animais.

Os autores do relatório apelam à comunidade global para proteger os rios e para aderir a iniciativas de conservação e a leis que protejam, investindo em alternativas, renováveis e mais sustentáveis, aos milhares de barragens hidroelétricas que estão a ser construídas por todo o mundo.

“O declínio global em espécies de água doce continua a não ser tido em conta nas tomadas de decisão a nível nacional e internacional”, afirma Ângela Morgado, directora-executiva da ANP – WWF. “Este relatório vai, esperamos nós, aumentar a importância dada a este declínio de biodiversidade sem precedentes e levar às acções urgentes e necessárias para salvaguardar este componente essencial de biodiversidade.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.