Há quatro ninhos ocupados por abutre-preto no Alentejo

É a partir de Fevereiro que os abutres-pretos começam a sua época de reprodução. Este ano, há quatro ninhos ocupados na herdade da Contenda, no concelho de Moura, região onde está a decorrer um projecto para trazer de volta esta espécie Criticamente em Perigo de extinção.

 

O abutre-preto (Aegypius monachus) é a maior ave de rapina da Europa, com 12 quilos de peso e uma envergadura de asa que pode chegar aos três metros. Durante mais de 40 anos, este abutre não fez ninho em Portugal. Desde 2010 regressou ao Tejo Internacional e ao Douro Internacional. No ano passado, voltou ao Alentejo, à Herdade da Contenda. Aqui nasceu uma cria na Primavera e deu-se o primeiro passo para a criação de um terceiro núcleo reprodutor em Portugal.

Nesta altura do ano, no sossego dos 5.300 hectares da Herdade da Contenda (Moura, Baixo Alentejo), está a decorrer a época de reprodução do abutre-preto. Os técnicos que trabalham na conservação desta espécie têm estado no terreno a monitorizar os 12 ninhos artificiais para o abutre que foram instalados em 2012.

“Temos novidades. Este ano encontrámos quatro ninhos ocupados, o que é óptimo”, disse ontem à Wilder Eduardo Santos, da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), tendo em conta que esta é apenas a segunda época em que ocorre reprodução no Alentejo.

Eduardo é uma das pessoas por detrás da história de conservação desta espécie de abutre. Nos últimos três anos tem acompanhado no terreno o regresso desta grande ave à região, desde a montagem de 12 ninhos artificiais no cimo das árvores da Contenda, em 2012, até à ocupação dos ninhos, passando pelo nascimento de uma cria, em Abril passado, à anilhagem e marcação com GPS em Julho, aos primeiros voos, em meados de Agosto. E agora ao início da segunda época de reprodução.

Destes quatro ninhos, um deles não é artificial. “É um ninho que as aves construíram em cima de um pinheiro-manso, perto de um dos outros ninhos”. Eduardo Santos considera o feito como “um indicador muito bom” de que as aves estão a adaptar-se à Contenda.

A monitorização no terreno é feita à distância e com a maior brevidade possível para não perturbar os animais. Especialmente neste período de reprodução. Durante as saídas de campo, Eduardo Santos e a restante equipa conseguiram confirmar que a cria que nasceu no ano passado continua na região “e está de boa saúde”. “Isto é importante, dada a enormíssima mortalidade entre os juvenis de abutre-preto.”

Outra novidade é que há poucos dias começou a incubação num dos quatro ninhos ocupados. “Os outros, se tiverem sucesso, poderão começar a incubar nos próximos dias. A incubação demora cerca de 60 dias. Daqui a cerca de dois meses já teremos uma ideia melhor do sucesso desta época de reprodução. As crias começam a voar 100 dias após a eclosão, lá para Julho”, explicou Eduardo Santos.

Estes são dados importantes que indicam a “consolidação da área como núcleo reprodutor”.

 

Porquê a Contenda?

 

Estas aves são muito fiéis aos locais e às colónias onde nasceram e, por isso, não é fácil criar novos núcleos reprodutores, acrescentou. Mas na sua opinião, a Contenda consegue reunir um pacote de “atractivos” para a espécie. “Tal como todos os abutres-pretos da Península Ibérica, estes só nidificam em árvores de grande porte (os ninhos são muito grandes e pesados), em locais sossegados e onde a vegetação é abundante. Esta herdade consegue reunir essas condições.”

Além disso, há alimentação disponível. “Para se alimentarem, estas aves necrófagas percorrem, normalmente, entre 50 a 60 quilómetros. Para este sucesso muito contribuiu a rede de dez campos de alimentação”, seis na zona de Moura-Mourão-Barrancos (um dos quais na Contenda) e quatro no Vale do Guadiana. Na época de nidificação este é um factor particularmente importante. “É crucial na alimentação das crias os abutres terem alimento disponível e seguro, isto é, que não esteja envenenado”, acrescentou.

O declínio desta espécie em Portugal deveu-se à perda de habitat, envenenamento, colisão e electrocussão em linhas eléctricas e diminuição de alimento disponível. Na verdade, o abutre-preto tem um papel crucial na sanidade do ecossistema mediterrânico, ao actuar como agente de limpeza natural, removendo cadáveres.

Mas na Contenda estão a ser criadas as condições para a conservação desta ave. Agora, os técnicos vão continuar a acompanhar a época de reprodução. “Vamos observar como está a acontecer a ocupação dos ninhos e o início da incubação e trabalhar para manter as condições adequadas para o núcleo se consolidar definitivamente.”

A LPN tem a decorrer uma candidatura a um prémio internacional para conseguir financiar a conservação do abutre-preto no Alentejo.

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Eduardo Santos, da LPN, e Gonçalo Elias, do portal Aves de Portugal, dão-lhe as dicas que o vão ajudar a observar abutres-pretos. Leia tudo aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.