escaravelho visto de cima
Foto: Ignacio Ribera & Ana Sofia Reboleira

Há um novo escaravelho em Portugal que só vive em águas subterrâneas

Chama-se Iberoporus plutos e é o primeiro escaravelho descoberto em Portugal – e o quarto na Europa – que é estigóbio, ou seja, vive apenas em águas subterrâneas. A Wilder falou com a investigadora portuguesa que encontrou a nova espécie.

Foi durante uma das várias expedições que tem feito à gruta Soprador do Carvalho, em Penela, Serra do Sicó, que Ana Sofia Reboleira encontrou este escaravelho fêmea, no leito argiloso do ribeiro subterrâneo que ali nasce e alimenta o rio Dueça, um afluente do Mondego.

Aspecto da gruta
Gruta Soprador do Carvalho, onde foi encontrada a nova espécie. Foto: Ignacio Ribera

De corpo laranja pálido e sem olhos, adaptado a viver sem luz, o pequeno escaravelho com 2,8 milímetros veio a revelar-se a primeira espécie da ordem Coleoptera (ordem dos escaravelhos) que ocorre apenas no meio aquático subterrâneo, em Portugal. Na Europa, é a quarta espécie conhecida de escaravelho estigóbio.

O nome que lhe deram, Iberoporus plutos, inspira-se no ser que rege o mundo subterrâneo na mitologia grega, Pluto. O artigo científico que descreve a nova espécie foi publicado esta semana na revista ZooKeys, por Ignacio Ribera, do Instituto de Biologia Evolucionária, em Espanha, e por Ana Sofia Reboleira, investigadora e professora associada na Universidade de Copenhaga, Dinamarca.

Depois deste achado, em 2014, Ana Sofia Reboleira voltou ainda à mesma gruta em busca de mais exemplares da mesma espécie, mas sempre sem sucesso. Isso não a deixou surpreendida, aliás. “Os animais nas cavernas são extremamente raros, pois ali a energia e os recursos alimentares são muito escassos, uma vez que não há luz solar nem plantas”, disse à Wilder.

Em laboratório, os investigadores conseguiram construir uma árvore filogenética do novo exemplar, comparando com outras espécies da mesma família de escaravelhos. Descobriram que está muito próximo do Iberoporus cermenius, encontrado em Córdova, no Sul de Espanha, e que a separação entre as duas espécies terá acontecido há 10 milhões de anos.

“Terá havido uma espécie ancestral que vivia à superfície, mas entretanto alguns indivíduos dessa espécie terão colonizado o meio subterrâneo em locais distintos”, diz Ana Sofia Reboleira. Essas populações de escaravelhos, sempre muito pequenas por viverem em condições muito difíceis, foram-se adaptando aos meios onde viviam e deram origem a espécies diferentes.

O novo Iberoporus plutus. Foto: Ignacio Ribera

Foi o caso do Iberoporus plutos, em que as patas do terceiro e último par são muito longas e finas – diferentes das de outros escaravelhos estigóbios, cujas patas têm extremidades mais largas e achatadas. “Supomos que as utiliza para caminhar sobre superfícies argilosas, como o local onde foi encontrado.” Mas apesar dessas diferenças, o pequeno escaravelho nada bem, “até porque, como todos os escaravelhos, precisa de vir regularmente à superfície da água para respirar.”

Turistas na gruta

Apesar de ser nova para a ciência, esta espécie enfrenta já algumas ameaças, a começar pela exploração turística da gruta onde foi encontrada, alertaram os investigadores, no artigo cientifico.

“É desaconselhado pisotear o leito do rio, para esta e outras espécies, e por isso o acesso ao local devia ser condicionado”, corrobora Ana Sofia Reboleira, que alerta para outros perigos a ter em conta: “Tudo o que fazemos à superfície, como o uso de pesticidas e fertilizantes, quando chove infiltra-se e circula no interior destas cavidades”.

Esta não é a primeira espécie que a cientista descobre na gruta Soprador do Carvalho, que se estende por cerca de quatro quilómetros, e onde investiga há mais de uma década. Em 2018, publicou por exemplo um novo pseudo-escorpião ali encontrado, num artigo que descrevia cinco novas espécies encontradas em grutas portuguesas.

“Esta cavidade, tal como o sistema espeleológico do Dueça, onde se insere, tem um grande interesse biológico”, nota.

Graças a estas e a outras descobertas, na última década triplicou o número de espécies subterrâneas conhecidas em Portugal, incluindo muitos estigóbios. Hoje, estes últimos representam mais de 60 espécies identificadas no país.

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Descubra também o trabalho que tem sido desenvolvido pela investigadora portuguesa com os bichos-de-conta, os minúsculos reis das cavernas portuguesas.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.