Acção da Ocean Alive, envolvendo Raquel Gaspar e pescadoras do Estuário do Sado. Foto: D.R.

Há um projecto que transforma pescadoras em guardiãs do Estuário do Sado

Quando foi falar com duas pescadoras do Sado, levando apenas “uma ideia muito intuitiva” de um projecto voltado para a protecção das pradarias marinhas, Raquel Gaspar não imaginava que cerca de dois anos depois estaria a ganhar o prémio Terre de Femmes, atribuído pela Fundação Yves Rocher a iniciativas que se distinguem na área do ambiente.

 

O projecto que então começou a ganhar asas chama-se “Guardiãs do Mar”, coordenado pela Ocean Alive, uma cooperativa cultural de educação marinha da qual Raquel Gaspar é co-fundadora.

“Guardiãs” são as pescadoras do Estuário do Sado. Das cerca de 45 mulheres desta comunidade – algumas das quais também mariscadoras – cinco fazem hoje parte de uma equipa que trabalha para salvaguardar o futuro do estuário e das pradarias marinhas que ali existem. [Incluindo Fátima Ricardo e Cláudia Matias, as duas primeiras pescadoras com quem Raquel Gaspar falou.]

As pradarias marinhas, “berçário da vida marinha do estuário do Sado”, são fundamentais para a conservação da população de golfinhos que ali vivem, explicou Raquel Gaspar à Wilder. Esta bióloga marinha de 47 anos estudou durante muitos anos os roazes do estuário.

Mas as pradarias marinhas são também o que sustenta o rendimento das mulheres pescadoras e das suas famílias, “pois as espécies com maior valor comercial desta comunidade dependem desse habitat”. “O choco desova ali, é nas pradarias que o polvo encontra refúgio e milhares de caranguejos para se alimentar, e é também onde os juvenis dos peixes se alimentam e se refugiam dos predadores.”

Para divulgar o valor desse habitat e dar a conhecer a vida das pescadoras e mariscadoras do estuário, uma das apostas deste projecto é capacitar algumas dessas mulheres como guias marinhas – nomeadamente, as que estão desempregadas e que são boas comunicadoras.

 

Foto: João Augusto

 

A experiência começou em 2015, com a formação de uma pescadora, que guiou alunos de escolas e acompanhou turistas, entre visitas ao mercado do peixe em Setúbal, viagens a bordo de barcos tradicionais no Estuário do Sado ou o acompanhamento de acções de mariscagem.

Mas agora, é preciso realizar parcerias que atraiam mais público para estas acções, pois falta um rendimento financeiro mais estável para as guias marinhas, admite Raquel Gaspar.

Já as acções de sensibilização feitas por pescadoras junto da própria comunidade – outra das vertentes do projecto “Guardiãs do Mar” – têm actualmente o patrocínio do Oceanário de Lisboa e da Fundação Oceano Azul.

“Como sabem a linguagem das outras pescadoras, mais facilmente falam junto dos seus pares” sobre os problemas que afectam as pradarias, descreve a responsável da Ocean Alive.

 

Quais são as três ameaças?

 

As embalagens de sal, as âncoras e a pesca destrutiva. Estas são três das ameaças às pradarias marinhas, a começar pelos pacotes de plástico que carregam o sal utilizado na apanha do lingueirão e de minhocas usadas na pesca (conhecidas localmente como ‘casulos’).

Essas embalagens, deixadas vazias na maré e acumuladas no fundo do estuário, estão a ser o primeiro alvo da campanha “Mariscar SEM Lixo”, integrada nas acções de sensibilização. Em causa estão acções mensais de limpeza de praias do estuário, que começaram em Março de 2016.

 

Acção de Dezembro. Foto: Ocean Alive

 

Resultados? Para já, entre a primeira acção de limpeza e Janeiro deste ano, apanharam-se 20.425 embalagens de sal, retiraram-se das praias 13,5 toneladas de lixo, houve 438 mariscadores abordados. Tudo isto, com o envolvimento de 645 voluntários, contabilizaram em Fevereiro passado os responsáveis da Ocean Alive.

A próxima acção de limpeza e sensibilização está marcada para a Sexta-Feira Santa, “um dia muito importante na nossa costa”, descreve Raquel Gaspar. “No ano passado, nesta data, abordámos mais de 300 mariscadores”. Em Agosto, a festa local de Nossa Senora do Rosário de Tróia, que dura três dias, vai ser outra data importante da campanha.

 

Pescadoras vão ajudar cientistas

 

Fundamental é assegurar que as pescadoras são remuneradas pelo seu envolvimento neste projecto, nota a bióloga marinha.

É por isso que a Ocean Alive está também à procura de apoios para capacitar pescadoras na tarefa de monitorizarem as pradarias marinhas do estuário com GPS um projecto que deverá arrancar no próximo ano. À medida que as pescadoras forem retirando as redes, vão localizar as pradarias marinhas e identificar os pontos de geolocalização, para os comunicarem aos investigadores.

Ninguém tem certezas sobre o espaço ocupado por este habitat: as estimativas apontam para entre 31 e 55 hectares. Com novos dados, já será possível perceber também o impacto das âncoras e da pesca destrutiva nas pradarias, tal como calcular o seu valor no Estuário do Sado.

 

Raquel Gaspar, durante uma acção de limpeza. Foto: João Agusto

 

No âmbito das Guardiãs do Mar, há ainda outras acções que em breve deverão ver a luz do dia. No calendário está por exemplo a realização de um campo de férias voltado para a sensibilização dos mais novos, previsto já para este ano, e ainda acções ligadas à área da sociologia e da certificação.

Não admira por isso que todos os apoios sejam bem vindos, ainda mais a nível internacional. Referindo-se ao prémio Terre de Femmes, que inclui a atribuição de 10.000 euros – que vão ser utilizados na formação de mais pescadoras -, Raquel Gaspar afirma que “a forma como a fundação apoia o projecto é importantíssima”.

“Este prémio internacional está a levar as pescadoras do Sado para fora das nossas fronteiras”, revela num sorriso.

 

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Leia uma entrevista de Raquel Gaspar à Wilder sobre a ligação desta bióloga marinha com o Estuário do Sado e com a comunidade local de golfinhos roazes.

Veja também um vídeo da Fundação Yves Rocher sobre o projecto Guardiãs do Mar.

Conheça também o projecto Straw Patrol, de Carla Lourenço, que este ano ganhou uma menção especial do Prémio Terre de Femmes, aqui.

 

[divider type=”thin”]Agora é a sua vez.

Até dia 24 de Março, decorre a votação para a atribuição do Prémio Internacional do Público (no valor de 5000 euros) a uma das finalistas dos 10 países que concorrem ao Prémio Internacional Terre de Femmes, incluindo Raquel Gaspar, em representação de Portugal. Conheça os projectos a votação e eleja o seu favorito.

 

 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.