Alces (Alces alces). Foto: Pixabay

Humanos estão a “empurrar” outros mamíferos para o escuro da noite

Um pouco por todo o mundo, a presença dos humanos está a “empurrar” a actividade de outros mamíferos para o período nocturno, conclui um estudo que foi publicado esta sexta-feira na revista Science.

 

Os cientistas decidiram quantificar pela primeira vez os efeitos da actividade humana sobre os padrões de comportamento diário da vida selvagem, em geral. Aperceberam-se de que a presença dos humanos está a criar um mundo natural mais nocturno.

“Perdas catastróficas de populações selvagens e de habitats como resultado da actividade humana estão bem documentados, mas as formas mais subtis pelas quais afectamos o comportamento animal são mais difíceis de detectar e quantificar”, afirmou Kaitlyn Gaynor, autora principal do artigo e investigadora na Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos.

Kaitlyn e a restante equipa analisaram dados relativos a 62 espécies de mamíferos em seis continentes, incluindo elefantes, alces e lémures, em busca de mudanças na actividade diária destes animais quando estavam na presença de humanos.

Os dados, recolhidos de 76 estudos anteriormente publicados, foram obtidos de várias formas: câmaras operadas remotamente, emissores rádio e GPS, e observação directa, explicou a Universidade de Berkeley em comunicado.

 

elefante na beira de uma estrada
Elefante-africano (Loxodonta africana), na África do Sul. Foto: Bernard Dupont/Wikimedia Commons

 

Resultado: em média, os mamíferos avaliados eram 1,36 vezes mais nocturnos em resposta a perturbações causadas por humanos. “Isto significa que um animal que divida de forma igual a sua actividade entre o dia e noite aumenta a actividade nocturna para 68% do total, ao pé de pessoas.”

Em causa podem estar actividades tão diversas como a caça, caminhadas, passeios de bicicleta de montanha e infraestruturas como as estradas, bairros residenciais e campos agrícolas. O impacto é semelhante tanto em carnívoros como em herbívoros, todos acima de um quilo de peso, já que os pequenos mamíferos não foram analisados.

“Os animais responderam fortemente a todos os tipos de perturbação humana, independentemente de as pessoas representarem uma ameaça directa, o que sugere que basta a nossa presença para alterar os seus padrões naturais de comportamento”, sublinhou Kaitlyn Gaynor, que destacou “a consistência dos resultados em todo o mundo”.

 

Coiote deitado na neve
Coiote (Canis latinas). Foto: Pixabay

 

Na Califórnia, os coiotes estão a deixar de comer criaturas diurnas como esquilos e aves, especializando-se em animais nocturnos como os ratos e os coelhos, exemplificou a investigadora, entrevistada pelo The Guardian.

A capacidade de adaptação destes animais pode ser encarada com optimismo, admitem os cientistas, que apontam todavia um lado mais negativo. “Os padrões de actividades animal reflectem milhões de anos de adaptação – é difícil acreditar que simplesmente podemos espremer a natureza para a metade escura dos dias e esperar que funcione e prospere”, alertou Justin Brashares, também ligado ao estudo.

 

Cientistas sugerem novas medidas

“Muitas espécies que estão adaptadas à actividade [diária] podem ter menos sucesso a encontrarem a sua comida, ou a evitar os predadores, ou a encontrarem parceiros para acasalar, se estiverem activas mais à noite. Isso pode reduzir a sua sobrevivência ou a sua capacidade para se reproduzirem”, disse Kaitlyn Gaynor ao The Guardian.

A cientista americana admitiu também que “é provável que vamos precisar de preservar áreas selvagens que estejam inteiramente livres de perturbação [humana] para proteger espécies realmente vulneráveis”.

“E para espécies que não conseguem mudar a sua actividade para o período nocturno ou para as quais a actividade nocturna crescente está a ter consequências negativas, podemos precisar de restringir a actividade humana a certos períodos do dia, para deixarmos algumas horas de sol para os animais fazerem as suas coisas”, sugeriu.

 

 

 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.