O coelho de Darwin - esqueleto. Exemplar do acervo do Museu de História Natural de Londres. Foto: Trustees of the Natural History Museum, London

Identificados os genes que ajudam o coelho-bravo a resistir à mixomatose

Um estudo internacional, onde participaram investigadores portugueses, identificou as bases genéticas da resistência dos coelhos-bravos à mixomatose.

 

A mixomatose é uma doença mortal que já causou a morte a milhares de coelhos-bravos (Oryctolagus cuniculus) em vários países da Europa, incluindo Portugal. Os seus efeitos nefastos sentiram-se também em muitas outras espécies de animais selvagens que se alimentam de coelho-bravo, como o lince-ibérico (Lynx pardinus).

Mas ao longo de várias décadas, o coelho-bravo tem conseguido resistir ao vírus da mixomatose. Como? Através de múltiplas mutações em diferentes genes, segundo um artigo publicado ontem pela revista Science.

Há quase 70 anos, o vírus causador da mixomatose – uma doença mortal encontrada numa espécie americana de coelho -, foi utilizado para controlar a população de coelhos europeus introduzidos na Austrália. Na altura, já havia centenas de milhares de coelhos naquele país, com impactos devastadores na agricultura e biodiversidade local. A doença dizimou grande parte dos coelhos na Austrália e, após ter sido introduzida ilegalmente em França, espalhou-se rapidamente pela Europa, causando a morte de milhares de coelhos.

Após pouco tempo da introdução do vírus, os índices de mortalidade decresceram, os genomas do vírus e do coelho alteraram-se. Através da selecção natural, os animais tornaram-se mais resistentes ao vírus, o qual também se tornou menos agressivo para os coelhos.

No artigo agora publicado, fruto de um projecto co-liderado pelo CIBIO-InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos) e pela Universidade de Cambridge (Reino Unido), a equipa de investigadores que inclui mais 20 instituições, identificou as bases genéticas da resistência dos coelhos à mixomatose.

O estudo demonstra, pela primeira vez, que na Austrália, em França e no Reino Unido, as mudanças genéticas observadas nos coelhos resistentes ao vírus são as mesmas e que estas ocorrem em diferentes regiões do genoma.

 

O coelho de Darwin – esqueleto. Exemplar do acervo do Museu de História Natural de Londres. Foto: Trustees of the Natural History Museum, London

 

“Muitas vezes, a evolução funciona através de grandes mudanças em genes individuais, mas os nossos resultados mostram que a resistência à mixomatose provavelmente evoluiu através do efeito combinado de múltiplas alterações de pequeno efeito espalhadas pelo genoma”, explicou, em comunicado, Joel Alves, primeiro autor do artigo e investigador na Universidade de Oxford.

 

150 anos de história contada através do genoma do coelho

Para chegar a esta conclusão, Joel e colegas analisaram o genoma de mais de 150 coelhos dos três países onde a mixomatose foi registada em detalhe: Austrália, França e Reino Unido.

Para que pudessem identificar as mutações que se tornaram mais frequentes desde as pandemias dos anos 50, quase 20 mil genes foram analisados através das mais modernas técnicas de sequenciação de ADN. Os investigadores compararam então o ADN de coelhos recolhidos antes do surto do vírus na década de 1950, com o de populações modernas que desenvolveram resistência ao fim de 70 anos de coevolução com o virus. As amostras de coelhos recolhidos antes de 1950 foram obtidas em museus e contam com espécimes do século XIX, inclusive um que pertenceu a Charles Darwin.

 

Autores do artigo, Joel Alves e Francis Jiggins (Universidade de Cambridge), com um coelho europeu no Museu de Zoologia de Cambridge. Foto: Nick Saffell/Universidade de Cambridge

 

“Descobrimos que os mesmos genes mudaram nos três países. Também observámos três mutações particularmente significativas num gene com função imunitária, conhecido por IFN- alfa 21A. No laboratório, testámos as diferentes formas da proteína produzida a partir deste gene e descobrimos que as formas encontradas nos coelhos resistentes à mixomatose conseguem inibir de forma mais eficaz a replicação do vírus”.

 

A corrida às armas

Se por um lado as alterações no genoma do coelho se perpetuam ao longo das gerações em resposta ao vírus, também o vírus sofre mudanças e evolui.

Nos anos seguintes aos primeiros surtos da doença observou-se uma redução no grau de infecção do vírus. Contudo, o vírus da mixomatose continua a coexistir com os coelhos e, nos últimos anos, novas estirpes com maior potencial de infecção têm sido identificadas. Esta corrida às armas entre o vírus da mixomatose e o coelho é um exemplo clássico do processo conhecido por Coevolução.

Na semana em que se comemora o nascimento de Charles Darwin, o artigo agora publicado revela as bases genéticas de um dos casos icónicos no estudo recente da Evolução por Seleção Natural.

“O estudo reitera o papel da diversidade genética no processo evolutivo ao demonstrar que o rápido desenvolvimento da resistência à mixomatose pelos coelhos foi possível pela acção da seleção sobre um conjunto de genes do sistema imunitário”, segundo o comunicado do CIBIO-InBIO.

E apesar da drástica redução nas populações de coelhos causada pelos surtos de mixomatose, os níveis de diversidade genética não sofreram uma alteração significativa.

 

[divider type=”thick”]Precisamos de pedir-lhe um pequeno favor…

Se gosta daquilo que fazemos, agora já pode ajudar a Wilder. Adquira a ilustração “Menina observadora de aves” e contribua para o jornalismo de natureza. Saiba como aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.