Ilhas Galápagos através dos olhos da bióloga Andreia Dias

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No início do mês de setembro, no âmbito da minha atividade profissional como membro da equipa de especialistas em maneio de fauna do Ministério do Meio Ambiente espanhol, participei numa missão na Reserva de Limoncocha, na Amazónia Equatoriana. A missão teve por objetivo capturar e colocar um emissor GPS num jovem de harpia e alcançou plenamente os seus objetivos.

Sempre foi um sonho visitar as Ilhas Galápagos e, estando ali tão perto, não resisti a tirar uns dias de férias para o concretizar.

O texto que apresento são algumas das notas das férias de uma bióloga em duas das ilhas Galápagos (Santa Cruz e Isabela).

Ninguém fica indiferente ao “principal laboratório vivo de biologia do mundo”.

O arquipélago, de origem vulcânica, é formado por dezenas de ilhas e rochedos, sendo 13 as ilhas maiores. É a segunda maior reserva marinha do mundo.

Está localizado numa zona de confluência de várias correntes marinhas que geram uma mistura de águas frias e quentes permitindo a colonização de espécies típicas do Norte, do Sul, do continente e do Pacífico central. El Niño também contribui para gerar um ambiente diverso e extremamente dinâmico. Paraíso dos amantes do mergulho, observam-se grandes concentrações de tubarões-martelo, mantas gigantes, tubarões-baleia, peixes de todas as cores. Constitui um refúgio importante de tartarugas-marinhas e é considerado um santuário de baleias.

Tartaruga-verde (Chelonia mydas), Ilha Isabela

O Parque Nacional das Galápagos foi a primeira área protegida do Equador, que integra 97% da superfície das ilhas e foi reconhecido pela UNESCO como o primeiro “Património Natural da Humanidade”.

É impossível falar das Ilhas Galápagos sem referir Charles Darwin (1809-1882), conhecido pelo seu maior contributo para a ciência, a “teoria da evolução por seleção natural”. Na origem das suas investigações, estiveram os conhecidos “tentilhões de Darwin”, sendo que 13 das 14 espécies conhecidas são endémicas das ilhas. No entanto, ali foi-me referido que as aves mais estudas por Darwin e que lhe despertaram mais atenção foram os Mimus.

Mimão-das- galápagos (Mimus parvulus), Ilha de Santa Cruz

As ilhas apresentam zonas com vegetação seca e espinhosa.

Cactos candelabro, Los Túneles, Ilha Isabela

Nas regiões altas encontram-se bosques exuberantes que captam a humidade do mar.

Vegetação típica da zona Norte da Ilha de Santa Cruz

Os mangais não só promovem habitat importante para peixes, como oferecem uma variedade de serviços ambientais para a proteção costeira e a captura de carbono.

Mangais, Ilha Isabela

A envolvência dos vulcões em termos geológicos são motivo de visita de investigadores de todo o mundo.

As Galápagos albergam uma biodiversidade impressionante e única, repleta de espécies exclusivas endémicas. Estes endemismos, resultantes de isolamento geográfico, diferem também entre ilhas. E são tantas as curiosidades!

Ali convivem quase duas mil espécies endémicas, destacando-se as famosas tartarugas-gigantes que deram o nome ao arquipélago.

Ao ver todas as espécies que pude, creio que terei ficado tão maravilhada como Darwin há 200 anos… mas com inveja dele por, na altura, não haver tanta presença humana. Aquando da minha estadia (setembro de 2021) havia menos turistas do que é habitual, devido à pandemia e ser a época mais fresca do ano, dois fatores que para mim foram fantásticos.

Ao sair do avião o primeiro animal que vi, foi uma iguana-terrestre. Pensei: “isto é assim, chegar e ver?”.

Iguana-terrestre-das-galápagos (Conolophus subcristatus). Baltra

Na saída do aeroporto parei numa cafetaria e ali estavam os famosos “tentilhões de Darwin” nas mesas, tentando roubar migalhitas.

Começam os avisos de que não nos podemos aproximar mais de 2m dos animais… mas eles é que quebram as regras e se aproximam! Já Darwin referia esta aproximação, uma vez que se sentem confiantes pelo facto de não terem predadores (isto de forma geral, já que, por exemplo, as tartarugas terrestres, enquanto jovens, são predadas por ratas introduzidas, mas voltaremos a este assunto).

Os residentes estão sempre atentos e cada vez que um turista mais atrevido se aproxima dos animais, escuta-se: “Atenção aos 2m!”.

As iguanas-marinhas são um deslumbramento… Não posso dizer que é o animal mais bonito à face da terra (principalmente porque acabava de estar na Amazónia), mas são… diferentes!

As Amblyrhynchus cristatus parecem autênticos monstros, com o corpo coberto de escamas e cristas nas costas, mas nadam de forma elegante movimentando a cauda lateralmente. Como ectotérmicos, gastam muita energia no mar frio e têm que se aquecer ao sol, sendo vistas frequentemente nas rochas, na areia da praia e nos paredões. Trepam paredes verticais de forma hábil. Só se alimentam de algas que comem das rochas, mergulhando. Para se libertarem do sal que absorvem em excesso e que pode ser tóxico, excretam-no através de uma glândula nasal e parece que espirram. Contabilizei o tempo que uma demorava a fazê-lo, quase 4 minutos…consegui filmar o “espirro”!

Iguana-marinha (Amblyrhynchus cristatus) com marcas do “espirro” em formas de gotas no chão, Ilha Isabela

Não são todas pretas, diferem com a época do ciclo biológico e com a ilha. As pretas confundem-se com as rochas vulcânicas e como permanecem imóveis, quase se pisam, se estamos distraídos.

Quanto às tartarugas-gigantes, que vivem mais de 100 anos e pesam mais de 250kg, já só existem 11 espécies das 14 originais. São 14 espécies de catos do género Opuntia que partilham o habitat com as tartarugas.

Alguns são gigantes e chegam a atingir 12m de altura e mais de 1m de diâmetro. São gigantes apenas nas ilhas onde habitam as tartarugas, já que estas se alimentam destes e dos seus frutos. Estes catos necessitam das tartarugas para dispersar as suas sementes e as tartarugas necessitam delas para se alimentarem. Estas tartarugas têm capacidade para comerem frutos tóxicos e espinhosos, uma adaptação muito interessante para aproveitarem os recursos disponíveis da melhor forma.

Catos do género Opuntia

A forma da carapaça e o comprimento do pescoço variam com o tipo de vegetação das ilhas.

As ilhas foram alvo de extração desmedida de espécies (tartarugas-terrestres, lobos-marinhos, baleias, pepinos-do-mar…), daí a necessidade de se regular as atividades humanas. Tudo é controlado, locais de visitas, de mergulho, horários, número de visitantes, presença de guias… A deslocação é feita a pé, de bicicleta ou táxi. Quando chegamos ao arquipélago, as malas são controladas por cães da polícia treinados, quando viajamos entre ilhas passamos por câmaras de desinfeção e no regresso ao continente, as malas são revistadas. Não é permitido trazer nada… nem sequer areia das Galápagos.

A maior ameaça é a introdução de espécies exóticas, muitas delas chegam em barcos de mercadoria. Os efeitos são devastadores… ratos, gatos, porcos, cabras, formigas, moscas, além de plantas. Têm sido feitos esforços desde há muitos anos para combater esta problemática.

Existem centros de criação de tartarugas, de forma a que criadas em cativeiro, possam atingir um tamanho que permita serem devolvidas ao habitat natural com menos riscos de predação. Estes programas têm tido excelentes resultados, embora o “contrabando” tenha aumentado em tempo de pandemia…

Há uma enorme preocupação para fazer a reciclagem do lixo, não se vê nada sujo. O plástico, por exemplo, depois de recolhido e compactado é enviado para o continente. Todos os hotéis, restaurantes e empresas turísticas estão sensibilizados para a conservação da biodiversidade e da zona protegida. Grafitis são substituídos por murais e paredes desenhadas, quase sempre com temas alusivos à biodiversidade das ilhas.

É muito interessante observar a convivência entre espécies… Não é raro ver-se um lobo-marinho ao lado de uma iguana ou uma lagartixa com tartarugas.

Lobo-marinho-das-galápagos (Zalophus wollebaeki) e iguana-marinha (Amblyrhynchus cristatus)

Não esquecerei a sensação de nadar ao lado de pinguins, iguanas, cavalos-marinhos, tubarões, tartarugas, serpentes-marinhas, corais, estrelas-do-mar, moreias, pepinos-do-mar… e claro, todas as espécies de aves que ali vi.…

Enfim…suspirarei toda a minha vida de cada vez que fale das Galápagos!

Nota: Os nomes-comuns em português poderão estar desatualizados ou em português do Brasil, devido a não haver bibliografia de referência. No que respeita às aves, está a ser preparada uma obra que será editada em breve e que procurará homogeneizar a sua utilização (para português de Portugal).