Imprudência humana causa 50% dos ataques de grandes carnívoros

Cerca de 50% dos ataques de grandes carnívoros – como ursos, pumas, lobos e coiotes – devem-se à imprudência humana, revela agora um estudo científico publicado nesta quarta-feira na revista Scientific Reports.

 

Uma equipa internacional de investigadores analisou as circunstâncias em que ocorreram 700 ataques documentados de seis espécies de carnívoros – urso-pardo (Ursus arctos), urso-preto (Ursus americanus), urso-polar (Ursus maritimus), puma (Puma concolor), lobo (Canis lupus) e coiote (Canis latrans) – desde 1955 nos Estados Unidos, Canadá, Suécia, Finlândia, Rússia e Espanha.

Segundo os cientistas, na América do Norte, os coiotes (31% do número total de ataques) e os pumas (25,7%) foram responsáveis pela maioria dos ataques, seguidos dos ursos-pardos (13,2%) e lobos (6,7%).

 

Urso de vigia. Apesar de se pensar que esta postura é um sinal prévio de agressão, este comportamento nada tem a ver com uma atitude agressiva
Urso de vigia. Apesar de se pensar que esta postura é um sinal prévio de agressão, este comportamento nada tem a ver com uma atitude agressiva

 

“Deixar crianças pequenas sem vigilância em zonas de presença de grandes carnívoros, passear com um cão sem trela nessas áreas, aproximar-se demasiado de fêmeas com crias ou de animais feridos e sair para o campo ao anoitecer e à noite são as principais causas dos ataques”, explica Vincenzo Penteriani, investigador da Estação Biológica de Doñana no CSIC (Conselho Superior de Investigação Científica espanhol), em comunicado.

De acordo com o estudo, depois de muitas décadas em que a interacção entre humanos e grandes carnívoros tem sido mínima em muitas regiões dos países desenvolvidos, muitos apaixonados pelas actividades de ar livre desconhecem os riscos de um encontro com estes animais. E, principalmente, o que fazer quando isso acontece. “Por esta razão, os ataques podem diminuir muito se aprendermos a comportamo-nos quando estamos na natureza”, acrescenta Penteriani. “Não se trata de limitar o acesso das pessoas às áreas ocupadas por grandes carnívoros ou, como se fez no passado, de persegui-los, mas sim de saber coexistir com eles. Não podemos ir para o campo como se fossemos dar um passeio a um centro comercial.”

 

Urso-preto nas Montanhas Rochosas (Canadá)
Urso-preto nas Montanhas Rochosas (Canadá)

 

O estudo sublinha que o paradigma de conservação contemporâneo emergiu nos anos 60 e 70 do século XX, quando muitos dos grandes carnívoros deixaram de ser perseguidos e de ser considerados animais daninhos para serem reclassificados como espécies protegidas. Desde então, e apesar de os grandes carnívoros continuarem a ser caçados, a maioria das populações aumentaram nas últimas quatro décadas, tanto na América do Norte como na Europa.

E ainda que os ataques tenham aumentado com o tempo, a verdade é que continuam a ser eventos extremamente raros, havendo milhares de interacções entre pessoas e grandes carnívoros sem incidentes. “Outra vida selvagem – como as abelhas e mosquitos, aranhas, cobras e ungulados – e cães domésticos são bem mais responsáveis por acidentes”, sublinham os autores do estudo.

 

Urso-pardo na Finlândia, país onde se registaram 19 ataques nos últimos 60 anos
Urso-pardo na Finlândia, país onde se registaram 19 ataques nos últimos 60 anos

 

Para prevenir ataques, os investigadores recomendam que as pessoas devem ser informadas e educadas para os riscos reais e para o respeito de regras básicas durante uma visita a zonas onde vivem grandes carnívoros. Como por exemplo, evitar sair sozinho à noite, vigiar as crianças, tentar andar em grupos e não se aproximar dos animais selvagens.

Penteriani salientou que, em Espanha, nos últimos 40 anos registaram-se apenas 38 casos de ataques de ursos na Cordilheira Cantábrica e em nenhum deles se podem identificar comportamentos ofensivos por parte dos ursos. “Todos os casos podem atribuir-se a comportamentos defensivos como resposta a tentativas de aproximação a fêmeas com crias e outros factores stressantes, com ir acompanhado de cães soltos, que possam ter desencadeado respostas de defesa”, acrescentou.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.