Foto: F. Sergio

Investigadores alertam para extinção eminente do milhafre-real na Andaluzia

O milhafre-real poderá desaparecer na Andaluzia nos próximos 20 anos se não forem tomadas medidas, alertou hoje uma equipa do espanhol Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC).

 

Hoje estima-se que restem apenas 30 casais de milhafre-real (Milvus milvus) na Andaluzia. A espécie só não se extinguiu ainda porque estes últimos milhafres-reais vivem no Parque Nacional de Doñana, revela o estudo agora publicado na revista científica Endangered Species Research.

Neste artigo, os investigadores documentam com detalhe a “deterioração histórica” que as populações desta ave de rapina têm sofrido desde os anos 1960 até aos nossos dias.

 

Milhafre-real. Foto: F. Sergio

 

Chegaram à conclusão que a espécie perdeu 95% da sua população, fora de Doñana, nos últimos 40 anos. De 80 casais nos anos 1980 – quando, fora de Doñana, o milhafre-real ocupava a Serra Morena, a região em volta de Cazorla e o estuário do Odiel – existem hoje apenas três casais.

Em Portugal, há cada vez menos milhafres-reais a fazer ninho e a reproduzir-se. O primeiro censo nacional da espécie, promovido pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) em 2001 permitiu contabilizar a população nacional em 50 a 100 casais nidificantes. A população residente está classificada como Criticamente Em Perigo de extinção e a população invernante é considerada Vulnerável.

Esta é uma situação bastante diferente do que acontecia até ao início do século XX. “O milhafre-real era uma espécie bastante comum como nidificante em Portugal, especialmente no Centro e no Sul, vivendo em estreita relação com as populações rurais”, escrevem os autores do livro “Aves de Portugal” (Assírio & Alvim, 2010). Entre as causas deste declínio estão a perseguição directa e os venenos.

Na Andaluzia, as ameaças a esta ave incluem os venenos, a electrocussão em linhas eléctricas, a diminuição das presas, a transformação do habitat, a exposição a poluentes, o aumento da competição com outras espécies e o aumento da pressão da predação.

“Ao longo de 60 anos documentámos uma silenciosa diminuição gradual dos efectivos desta espécie, uma marcada contracção da sua área de distribuição e uma deterioração da sua capacidade reprodutora”, disse, em comunicado, Fabrizio Sergio, investigador do CSIC na Estação Biológica de Doñana.

Acontece que nem mesmo Doñana garante protecção total ao milhafre-real, alertam os investigadores.

“Estes fenómenos a nível regional são replicados dentro do Parque Nacional de Doñana, só que aqui, por ser uma área protegida, ocorrem a uma velocidade muito mais lenta e cria-se a falsa sensação de que está tudo bem nas áreas protegidas”, acrescentou.

 

Foto: F. Sergio

 

Ainda que as áreas protegidas sejam cruciais para a fauna em perigo de extinção, não são a solução definitiva para os problemas de conservação, defendem os investigadores no artigo.

 

Um estudo exaustivo

Para chegar a estas conclusões, os investigadores reuniram os estudos já publicados sobre a abundância e distribuição do milhafre-real na Andaluzia. Depois recolheram e organizaram a informação acumulada nos diários de campo de naturalistas, biólogos, guardas da natureza e fotógrafos que trabalharam ou visitaram Doñana desde os anos de 1960.

Por fim, completaram esta informação com a monitorização da espécie feita, recentemente, pela Estação Biológica de Doñana e pelos funcionários da área protegida.

Desde os anos 1990 até à actualidade fez-se um seguimento de campo mais pormenorizado, localizando cada casal e monitorizado o seu êxito reprodutor. “Com esta informação tornou-se mais relevante a crescente importância de Doñana para a conservação desta espécie”, salientou Fabrizio Sergio. “Se nos anos 70 e 80, Doñana albergava cerca de 50% dos milhafres-reais andaluzes, hoje alberga mais de 96% da população.”

 

Foto: F. Sergio

 

Dentro de Doñana, a população passou de 70 casais nos anos 1980 para apenas 37 em 2017 e 28 em 2018.

A redução do êxito reprodutor foi muito marcada durante esse mesmo período de tempo. Actualmente, mais de 70% dos casais não consegue terminar com êxito uma reprodução anual. Passou-se de uma média de 100 novos milhafres-reais por ano em Doñana nos anos 1980 para uma média de 10 na actualidade.

 

Actuar com urgência

Segundo os investigadores, é urgente identificar, localizar e eventualmente corrigir as ameaças à espécie. “É prioritário conhecer o papel que temos nestes factores sobre a redução populacional”, disse Julio Blas, outro dos autores do estudo.

“É provável que existam interacções entre estes problemas e as alterações climáticas e já começámos um estudo sobre o sistema hormonal e a sua relação com a capacidade de resposta a determinados aspectos ecológicos nesta espécie.”

Os especialistas recomendam o início de um programa de marcação com localizares GPS que actuem como equipas de vigilância remota, para identificar espacial e temporalmente os indivíduos, localizar em tempo real onde se produz a mortalidade e actuar com rapidez para corrigir os problemas detectados.

“Se conseguirmos aumentar a sobrevivência dos adultos até chegar a valores máximos registados na bibliografia, em apenas 10 anos seria possível recuperar o limiar de 70 casais que existiam nos anos 80”, concluiu Blas.

A 7 de Setembro do ano passado, a Junta da Andaluzia apresentou o Plano de Conservação do Milhafre-real que tem como grande objectivo diminuir a categoria de ameaça naquela região espanhola. O Plano, integrado no Plano de Recuperação e Conservação de Aves Necrófagas – com um orçamento anual de 449.184 euros -, assenta em cinco medidas prioritárias para conseguir, pelo menos, entre 50 e 75 casais nidificantes em Doñana e entre cinco e 10 casais no Norte de Huelva. Entre elas estão a diminuição da taxa de mortalidade não natural, através da Estratégia Andaluzia contra o veneno, e reduzir o número de mortes de milhafres por colisão com os aerogeradores dos parques eólicos.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Conheça aqui a fantástica história de sobrevivência deste milhafre-real.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.