Abutre-preto. Foto: Juan Lacruz/Wiki Commons

Investigadores encontraram vestígios de produtos tóxicos em crias de abutre-preto

O projecto de investigação sobre os abutres-pretos do Parque Natural do Tejo Internacional, coordenado pelo Hawk Mountain Sanctuary, está a analisar amostras biológicas das crias em busca de metais pesados e produtos veterinários perigosos para estas aves.

 

Esta é uma das acções que estão a ser realizadas desde 2018 no âmbito deste projecto internacional, que está também a estudar os movimentos de dispersão dos juvenis da espécie através da marcação com emissores GPS.

Além do Hawk Mountain Sanctuary (EUA), colaboram a eléctrica Endesa, o Instituto de Conservação da Natureza e das Forestas (ICNF), através do Parque Natural do Tejo Internacional (PNIT), e o Departamento de Toxicologia de Universidade de Murcia.

É aos veterinários da universidade espanhola que cabe a colheita de amostras biológicas das crias, quando estas são retiradas temporariamente do ninho para colocarem também os emissores. O sangue dos pequenos abutres é depois analisado em busca de 17 produtos tóxicos, que incluem sete metais pesados e dez produtos veterinários antibióticos e anti-inflamatórios.

 

Recolha de amostras biológicas. Foto: B. Agostinho Cruz

 

De acordo com Alfonso Godino, investigador associado do Hawk Mountain Sanctuary, em causa está “um dos mais ambiciosos estudos de toxicologia de abutre-preto em Portugal mas também na Europa”. O principal objectivo deste estudo na maior colónia portuguesa de abutre-preto é ser uma estação de vigilância toxicológica para a detecção desses produtos.

Até agora detectaram-se “níveis preocupantes” de chumbo e cádmio em 2018, “mas que depois não voltaram a aparecer”. Já outros tóxicos foram detectados em níveis baixos, mas mesmo essa detecção em crias mostra ser importante “uma maior monitorização, tanto em número de indivíduos como ao longo do tempo.”

 

Cria de abutre-preto no ninho. Foto: P.J. Jiménez

 

Chumbo é o pior dos metais pesados

“Na actualidade uma grande quantidade de produtos tóxicos estão ser espalhados na natureza e alguns deles são bioacumulativos, ou seja, não são eliminados pelos organismos vivos e têm efeitos prejudiciais”, explicou à Wilder o mesmo responsável. Para as aves de rapina e outras, esta acumulação pode ser tão grave a ponto de significar a morte.

Dos metais pesados, todos com efeitos muito negativos para as aves, o chumbo é o pior. Nas aves de rapina o chumbo tem origem ambiental mas principalmente cinegética, pois muitas das presas abatidas durante a caça acabam por ser alimento para aves necrófagas como o abutre-preto. É assim que o chumbo das munições passa para o organismo destas aves.

“Pela ameaça que pode representar o chumbo da actividade cinegética nas aves aquáticas e em rapinas, nalgumas áreas tem sido proibida a utilização de munições com chumbo”, lembra o investigador. Mas o estudo está também a procurar outros metais pesados com efeitos nas aves, como o mercúrio e o cádmio.

 

Paisagem do Parque Natural do Tejo Internacional, onde está a ser feito o estudo. Foto: A. Godino

 

Já os outros tóxicos que estão a ser analisados são produtos veterinários, em especial antibióticos e anti-inflamatórios utilizados na gestão do gado, que por acumulação nas carcaças desses animais podem passar ao organismo dos abutres. Desses produtos, Alfonso Godino destaca o diclofenaco, pelo “elevado impacto que o uso deste medicamento tem tido nas populações de abutres na Ásia. “No passado, os abutres eram das aves mas comuns do subcontinente indiano, mas hoje em dia [devido ao diclofenaco] terão desaparecido entre 90 a 96% dessas populações.”

Apesar dos efeitos muito graves para as aves necrófagas, que já levou à proibição do uso de diclofenaco em muitos países, paradoxalmente em Portugal, Espanha e Itália, que albergam mais de 90 % das populações de abutres da Europa, este produto não foi proibido”, lamenta o investigador.

“É muito importante monitorizar e detectar a tempo a possível presença do diclofenaco e de outros produtos veterinários nas populações de abutres, para detectarmos esses produtos a tempo e tomarmos medidas da forma mais rápida e eficaz possível”, sublinha.

O abutre-preto, que é a maior ave de rapina da Europa, tem uma envergadura de asas que chega aos três metros. Em Portugal, onde a espécie em 2005 foi classificada Criticamente em Perigo de extinção, estas aves só voltaram a reproduzir-se em 2010, depois de terem estado sem nidificar durante 40 anos.

 

 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.