Foto: Karol Zub

Investigadores portugueses desvendam as adaptações das doninhas às alterações climáticas

Uma equipa internacional liderada por cientistas do CIBIO-InBIO recorreu a colecções de museus de História Natural para analisar vários genomas de doninha-anã, amostrando animais que tinham sido recolhidos desde 1959.

Os resultados do trabalho foram publicados esta terça-feira, 22 de Junho, na revista científica Molecular Biology and Evolution.

Os cientistas conseguiram identificar o gene responsável pelas diferentes cores na pelagem de Inverno da doninha-anã (Mustela nivalis), mostrando “como esta variação genética poderá ser importante para a adaptação da espécie às alterações climáticas”, anunciou em comunicado o CIBIO-InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos), laboratório de investigação ligado à Universidade do Porto. 

São várias as espécies de mamíferos com mudanças de cor na sua pelagem ao longo do ano, branca no Inverno e castanha no Verão, que lhes permite manterem-se camuflados em habitats com neve apenas no Inverno, explica a equipa.

Foto: Karol Zub

Mas uma vez que estas mesmas espécies também habitam em regiões onde há muito menos neve, incluindo nos meses de Inverno, os animais que aí se encontram “estão adaptados às condições locais, permanecendo castanhos todo o ano mantêm a pelagem de cor castanha ao longo de todo o ano.”

A equipa dedicou-se a analisar o que está na base destas diferenças e como é que as espécies se adaptam a diferentes ambientes, tendo em conta que as alterações climáticas estão já a afectar a cobertura de neve em várias zonas do planeta.  

Os investigadores analisaram vários genomas de doninhas-anãs para perceber qual é o mecanismo responsável pelas diferentes cores de Inverno que existem nesta espécie. Para isso, focaram-se em duas populações da espécie, na Suécia e na Polónia.

“Estas zonas consistem em regiões da distribuição geográfica da espécie em que se verifica a coexistência de animais com pelagem castanha e com pelagem branca no Inverno, oferecendo condições únicas para a identificação do ou dos genes responsáveis por esta variação de cor”, explicou José Melo-Ferreira, investigador do CIBIO-InBIO e coordenador do estudo, citado no comunicado.

Foto: Karol Zub

Os investigadores descobriram que as diferentes cores de Inverno estão associadas a um gene conhecido como MC1R. Identificaram variantes genéticas que poderão alterar a função deste gene, reflectindo-se na cor da pelagem. “Este gene tem um papel-chave na cadeia de produção de melanina, o pigmento que dá cor aos pelos e à pele em várias espécies, incluindo nos seres humanos”, indicou por sua vez Inês Miranda, estudante de doutoramento no CIBIO-InBIO e primeira autora do estudo.

Em trabalhos anteriores do mesmo grupo em duas espécies de lebre, os cientistas tinham identificado um outro gene da mesma cadeia – chamado de Agouti – às variações na cor da pelagem desses mamíferos. Agora, os resultados obtidos com o estudo da doninha-anã “mostram como a mesma característica adaptativa pode ser originada através de diferentes genes em espécies diferentes”. “Diferentes soluções no mesmo caminho funcional – o de produção de pigmento – resolveram o mesmo problema – a adaptação a diferentes coberturas de neve”, concluiu a equipa.

Castanho no Inverno poderá ter vantagem no futuro

Os autores do estudo detectaram também evidências de seleção natural na variação genética associada à cor castanha de inverno. Esta característica terá sido favorecida no passado, “possivelmente em resposta a ambientes com menores coberturas de neve, onde a cor castanha permite uma melhor camuflagem”, consideram.

“Tendo em conta as reduções de cobertura de neve causada pelas alterações climáticas, ter pelagem castanha poderá ser favorecido também no futuro. A existência destas variantes genéticas pode ser um ingrediente fundamental para a adaptação destas espécies ao aquecimento global”, acrescentou Inês Miranda.  

Foto: Karol Zub

No âmbito deste trabalho, a equipa recorreu a colecções biológicas de Museus de História Natural, amostrando espécimes que tinham sido recolhidos desde 1959. “As colecções de museu contêm ricas representações da biodiversidade existente no planeta. A aplicação de técnicas de análise genómica modernas a estes espécimes abre uma nova porta para a compreensão profunda de adaptações biológicas importantes, evitando a necessidade de novas amostragens. É como se ganhassem novas vidas para a ciência”, salientou por seu turno José Melo-Ferreira.


Saiba mais.

A doninha-anã é uma espécie comum em Portugal e já foi regista no consultório Que Espécie é Esta, numa fotografia enviada pelo leitor José Fernandes, aqui.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.