Já está no terreno projecto para conservar o morcego-da-Madeira

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A única espécie de mamífero endémico do arquipélago da Madeira está classificada como Em Perigo de extinção. Até Agosto de 2022 está no terreno um projecto que quer delinear um plano de acção para a recuperação desta espécie.

O morcego-da-Madeira (Pipistrellus maderensis), com as asas de cor cinza-anegrado e corpo coberto por pêlos castanhos, pesa apenas três gramas e mede seis centímetros de comprimento quando está em repouso. Em voo, a envergadura da asa chega aos 22 centímetros.

Morcego-da-Madeira. Foto: Sérgio Teixeira

É um dos morcegos mais pequenos das regiões biogeográficas da Europa. E é muito especial. É a única espécie de mamífero endémico do arquipélago da Madeira e as zonas húmidas da floresta Laurissilva são o local de eleição para se alimentar. É aí que abundam as suas presas favoritas.

Mas apesar de já viver naquelas ilhas há cerca de 1,3 milhões de anos e de estar muito bem adaptada aos ecossistemas da ilha, esta espécie está ameaçada. Há cada vez menos morcegos-da-Madeira.

“No último Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal (publicado em 2005), estimava-se uma população com apenas 1.000 indivíduos adultos na ilha da Madeira e cerca de 50 adultos na ilha de Porto Santo”, explicou à Wilder Duarte Barreto, coordenador do projecto e responsável no Instituto das Florestas e Conservação da Natureza (IFCN) da Região Autónoma da Madeira.

Hoje, este morcego está distribuído um pouco por toda a ilha da Madeira. Mas “os números decresceram muito em relação aos anos 90’s e início dos anos 2000”, segundo o IFCN, entidade que é o Ponto Focal do EUROBATS (Acordo para a Conservação dos Morcegos da Europa) para o arquipélago da Madeira e a entidade responsável, a nível regional, pela implementação deste acordo do Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP).

“Todos os locais que então estavam identificados como importantes zonas de alimentação ou de abrigo foram afetados por incêndios, destruição do habitat ou mesmo obras de requalificação de edifícios. Nessa época, nas poucas zonas identificadas como áreas de alimentação ou abrigos importantes como sejam as maternidades, era comum encontrar mais de 100 indivíduos juntos. Hoje em dia, é raro encontrar zonas com essa quantidade de indivíduos.”

Para tentar recuperar as populações de morcegos-da-Madeira está no terreno um projecto de conservação de 1 de Julho deste ano a 31 de Agosto de 2022.

Segundo explicou o IFCN à Wilder, “o maior objetivo é delinear um plano de ação para a conservação da espécie e eventual recuperação e estabilização da população de morcegos-da-Madeira”.

Floresta Laurissilva. Foto: IFCN

O projecto surgiu na sequência de uma oportunidade de financiamento ao abrigo do projeto LIFE4BEST‐ORs “Supporting biodiversity action in the EU’s Outermost Regions”, destinado às regiões ultraperiféricas e ultramarinas da UE para a conservação da sua biodiversidade. O morcego-da-Madeira é uma das espécies que menos conhecimento se tem sobre a sua ecologia e sobre as ameaças que enfrenta. Por exemplo, não se sabe qual a importância que esta espécie tem para a Laurissilva no controlo de insetos nestas florestas, nem a importância que a floresta Laurissilva tem para esta espécie de morcego.

Esta foi, então, considerada uma “oportunidade única” para elaborar um projeto de base para a conservação deste morcego, em conjunto com Sérgio Teixeira, director da empresa Madeira Fauna & Flora e biólogo especialista que estuda este grupo desde 1998.

No âmbito deste projecto será montada uma rede de detetores de ultrassons automáticos em zonas de Laurissilva primária, distante da influência humana, para perceber a importância que a Laurissilva tem para o morcego-da-Madeira. As equipas vão avaliar a existência de áreas de alimentação e corredores de voo na floresta.

“Os dados acústicos recolhidos, serão analisados em software próprio de forma a diferenciar o morcego da Madeira das outras espécies de morcegos que poderão existir na área de estudo. Para a deteção de abrigos iremos usar equipamentos de visão térmica, que nos permite cobrir grandes áreas de floresta em pouco tempo e encontrar quaisquer animais que estejam abrigados.”

O projeto foi financiado em cerca de 40.000 euros, distribuídos pela aquisição de equipamentos, trabalho técnico e ações de divulgação e educação ambiental, online (através das páginas de redes sociais criadas para o projeto), e presencialmente em escolas e outros locais da ilha da Madeira.

As entidades envolvidas são o IFCN, IP-RAM, como beneficiário coordenador e a empresa de serviços em biologia e conservação Madeira Fauna & Flora, como parceiro associado. Tem ainda envolvidos diversos stakeholders públicos e privados e elementos do Corpo de Vigilantes da Natureza do IFCN, IP-RAM.

Uma história da conservação e investigação sobre o morcego-da-Madeira

Os primeiros trabalhos de investigação dedicados ao morcego-da-Madeira começaram em 1998 com três biólogos. Até 2005, Sérgio Teixeira, Ricardo Antunes e David Teixeira fizeram os primeiros levantamentos acústicos com recurso a um detetor de ultrassons Pettersson D240, gravação e análise das sequências de ecolocalização e chamadas sociais.

Além disso, os biólogos capturaram morcegos com redes para estudo morfológico e fizeram inquéritos às populações rurais, “numa tentativa de identificar abrigos e importantes zonas de alimentação e em simultâneo educá-las sobre a importância dos morcegos no controlo de pragas”, explica o IFCN.

Em 2002, esta equipa participou nos levantamentos para o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, em colaboração com a bióloga Ana Raínho do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, ICNF (então ICNB).

Dois anos depois, em 2004, uma equipa composta pelos biólogos Sérgio Teixeira, David Teixeira, José Jesus e António Brehm da Universidade da Madeira fizeram uma expedição à ilha de Porto Santo para aferir as espécies que existiam nessa ilha e sua distribuição.

Floresta Laurissilva. Foto: IFCN

Em 2005, da equipa original, apenas o biólogo Sérgio Teixeira continuou a fazer trabalho de campo, em conjunto com a bióloga Tamira Freitas, e publicou a primeira lista de espécies identificadas morfologicamente e acusticamente.

Os primeiros artigos científicos sobre as espécies da ilha foram publicados em 2009 por Sérgio Teixeira e pelos biólogos Danilo Russo da Universidade de Nápoles e por José Jesus. Os artigos focaram as espécies que existiam na ilha, a sua distribuição e características acústicas.

Depois, em 2014, trabalhos de genética compararam a população da Madeira com as populações de diversas ilhas das Canárias, “de modo a perceber se estas populações eram espécies distintas ou apenas subpopulações da mesma espécie”.

Desde 2011 é organizada anualmente a International Bat Night, uma parceria entre a Madeira Fauna & Flora e o IFCN, IP-RAM, para sensibilizar a população local sobre a conservação destes mamíferos e recolher informação sobre abrigos.

Em 2016 o investigador Ricardo Rocha regressou à ilha para efetuar o seu pós-doutoramento e começou a desenvolver investigação sobre os morcegos da ilha da Madeira, nomeadamente o morcego-da-Madeira.


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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.