Livro Vermelho: Maria da Luz Mathias defende monitorização continuada e mais conhecimento sobre mamíferos

Gato-bravo. Foto: Schorle/WikiCommons

O panorama do nosso conhecimento sobre os mamíferos de Portugal mudou. Foram precisos quatro anos e mais de 300 pessoas. Maria da Luz Mathias, a coordenadora-geral do novo Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental, falou à Wilder sobre os resultados.

WILDER: Desde 2005, data do último Livro Vermelho, Portugal tornou-se mais ameaçador ou amigo dos mamíferos?

Maria da Luz Mathias: No último Livro Vermelho cerca de 23% das espécies analisadas estavam muito ameaçadas – Criticamente Em Perigo (CR), Em Perigo (EN) e Vulnerável (VU). No presente Livro Vermelho subiu para 33% a percentagem de espécies que necessitam de Planos de Ação urgentes. A categoria Em Perigo (EN) é a que apresenta, em percentagem, um maior incremento (2,2% vs. 9,2%)

W: Que espécies sofreram as maiores mudanças no estado de conservação?

Maria da Luz Mathias: Houve um aumento da percentagem das espécies de insetívoros, de morcegos e de carnívoros na categoria Em Perigo; um aumento da percentagem das espécies de roedores na categoria Vulnerável; um aumento da percentagem de espécies de cetáceos ameaçadas (CR, EN, VU, NT) e as duas espécies de lagomorfos (coelhos e lebres) entraram para a categoria Vulnerável.

W: Qual o grupo de espécies mais ameaçado?

Maria da Luz Mathias: Neste momento avaliámos mais espécies de insectívoros (que incluem musaranhos, ouriços e toupeiras) em categorias de ameaça, em percentagem (EN, VU). Seguem-se os carnívoros e os morcegos.

W: Quais as maiores surpresas trazidas por este Livro Vermelho?

Maria da Luz Mathias: Destaco três: as 14 novas espécies; a situação preocupante dos mamíferos de pequeno porte (os insectívoros mas também em percentagem mais espécies de roedores na categoria VU) e a situação preocupante do coelho-ibérico e da lebre-ibérica.

W: Que casos de sucesso destaca, em termos de melhoria e crescimento populacional?

Maria da Luz Mathias: Destaco as espécies que baixaram de categoria de ameaça: 10 espécies de morcegos, o lince-ibérico, a cabra-montês e a baleia-comum.

W: Quais as maiores ameaças para as espécies do Livro Vermelho? 

Maria da Luz Mathias: Destruição e degradação do habitat, fragmentação, endogamia, captura ilegal, poluição ambiental e alterações climáticas.

W: Porque precisamos de um novo Livro Vermelho dos Mamíferos?

Maria da Luz Mathias: Os Livros Vermelhos constituem um instrumento central na conservação da Biodiversidade, por fornecerem indicação sobre o risco de extinção das espécies. Para além disso incluem dados de relevo sobre a biologia, distribuição e tendência populacional das espécies fundamentais importantes para a implementação de planos de conservação.

W: Quantas pessoas participaram no Livro Vermelho?

Maria da Luz Mathias: Foram constituídas cinco equipas para a recolha de nova informação. As equipas incluíram mais de 100 pessoas, considerando os autores e avaliadores das diferentes espécies, e a equipa técnica envolvida em trabalho de campo e laboratorial. Além disso, mais de 200 colaboradores voluntários enviaram informação sobre a presença das espécies e algumas fotografias.

W: Quanto tempo durou o trabalho de campo?

Maria da Luz Mathias: O projeto durou cerca de quatro anos. O trabalho de campo cerca de dois anos, com uma pandemia no meio.

W: Foi feito trabalho de campo para todas as espécies?

Maria da Luz Mathias: Foi feito trabalho de campo e laboratorial para a maioria das espécies, com exceção dos mamíferos marinhos onde só usámos dados já recolhidos para a avaliação.

W: Quais as maiores dificuldades que as equipas do Livro Vermelho enfrentaram para conseguir actualizar o conhecimento sobre os nossos mamíferos? 

Maria da Luz Mathias: A falta de verba para aprofundar estudos laboratoriais e para alargar a área prospectada nos trabalhos de campo.

W: O que vai acontecer agora e como poderão ser usados os dados deste Livro?

Maria da Luz Mathias: Demos um grande contributo para o conhecimento da Biodiversidade em Portugal. Esta informação pode ser usada pelos organismos competentes para o Cadastro Nacional de Valores Naturais Classificados, ao fornecer indicação sobre as espécies ameaçadas a nível nacional; para os relatórios nacionais de aplicação de diretivas europeias (anexos II, IV e V da Diretiva Habitats), para a gestão e ordenamento das espécies alvo de exploração direta por atividades humanas.

Os organismos competentes, incluindo os organismos de gestão científica, ficam com a grande responsabilidade de apoiar (com fundos nacionais ou internacionais) projetos dirigidos à monitorização continuada de muitas espécies e ao conhecimento mais aprofundado de muitas outras. Mas infelizmente vai ficar tudo na mesma!

W: O que pode a sociedade em geral fazer para ajudar os mamíferos em perigo?

Maria da Luz Mathias: A divulgação continua a ser muito importante para contribuir para aumentar a visibilidade e perceção pública do valor do património natural e dos serviços de ecossistemas.


Saiba mais aqui sobre os resultados do Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.