Caminho das Ginjas. Foto: Cátia Gouveia/SPEA

Madeira: estrada que vai atravessar floresta Laurissilva indigna nove organizações

O projecto para pavimentar mais de nove quilómetros de estrada na floresta Laurissilva, Património Mundial Natural na ilha da Madeira, é “inútil e lesivo”, denunciam nove organizações de conservação portuguesas.

Em causa está o projecto “Caminho das Ginjas – Paúl da Serra”, que prevê a construção e pavimentação de 9,25 quilómetros de estrada que atravessa a área de Património Mundial Natural da Laurissilva da Madeira.

Caminho das Ginjas. Foto: Cátia Gouveia/SPEA

O período de consulta pública da Avaliação de Impacte Ambiental do projecto terminou ontem, dia 9 de Fevereiro, depois de ter durado mais de um mês.

Nove organizações não governamentais de ambiente (ONGA) – SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves), AAPEF (Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal), ANP/WWF, GEOTA (Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e do Ambiente), FAPAS (Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade), LPN (Liga para a Protecção da Natureza), Quercus, SPECO (Sociedade Portuguesa de Ecologia) e ZERO (Associação Sistema Terrestre Sustentável) – juntaram-se para denunciar este projecto como “inútil e lesivo para os interesses dos madeirenses e da região”, escreveram num comunicado enviado à Wilder.

A floresta Laurissilva da Madeira é a casa de inúmeras espécies de plantas e animais endémicas da Madeira e da Macaronésia. Muitas delas estão ameaçadas.

Caminho das Ginjas. Foto: Cátia Gouveia/SPEA

Além disso, a Laurissilva é a peça chave que “mantém o equilíbrio do ciclo hidrológico da ilha, influenciando na disponibilidade e qualidade da água, na contenção de enchentes e na proteção do solo”.

A importância desta riqueza de Biodiversidade é comprovada ao ser protegida por leis e convenções internacionais e classificada como Rede Natura 2000, Património Mundial Natural da UNESCO e Parque Natural da Madeira.

Agora, o governo Regional e o município de São Vicente pretendem pavimentar o caminho da Ginjas, um caminho florestal que atravessa uma “mancha de Laurissilva bem preservada” entre a localidade das Ginjas (município de São Vicente) e o Paúl da Serra. A justificação é a valorização social e económica do projecto.

Caminho das Ginjas. Foto: Cátia Gouveia/SPEA

Segundo as ONGA, esse caminho “tem sido utilizado essencialmente pelos serviços florestais e entidades associadas, em trabalhos de investigação científica, vigilância, restauro e proteção do ecossistema e das espécies ameaçadas”.

As ONGA fizeram uma análise do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) do projecto e consideram que este apresenta “falhas e erros graves, com o objetivo de viabilizar o projeto, independentemente dos impactes negativos na Laurissilva da Madeira”.

Denunciam que o estudo não compara alternativas ao projecto, não demonstra a sua necessidade, excluiu grupos prioritários – como os briófitos, os insectos e os gastrópodes terrestres -, tem falhas na identificação de impactes sobre espécies e habitats prioritários e não indica medidas de minimização, compensação e monitorização adequadas.

“Este estudo pretende apenas mascarar um projeto inútil e lesivo para o ambiente, que não serve nem as populações, nem os interesses da região”, disse, em comunicado, Domingos Leitão, diretor-executivo da SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves).

Caminho das Ginjas. Foto: Cátia Gouveia/SPEA

As nove ONGA apelam, por isso, à Direção Regional do Ambiente e Alterações Climáticas, autoridade desta Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), que emita uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) desfavorável e, assim, inviabilize o licenciamento deste projeto.

“Não acreditamos que a Direção Regional do Ambiente vá viabilizar um EIA e um projeto tão negativo”, acrescentou Domingos Leitão. 

Mas, se este estudo não tiver uma DIA desfavorável, estas organizações ponderam apresentar queixa na Comissão Europeia e na UNESCO. “Estas nove organizações não abrem mão de defender o património natural da Madeira e os interesses a longo prazo da região e das suas populações.”


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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.