Rolieiro pousado à entrada do ninho, numa ruína abandonada no concelho de Castro Verde. Foto: João Gameiro

Mais de 65% dos francelhos e rolieiros em Castro Verde dependem de ninhos artificiais

Mais de 65% de todos os casais reprodutores de francelhos e de rolieiros em Castro Verde, região que alberga a esmagadora maioria destas aves em Portugal, precisam de ninhos artificiais, revela um novo estudo científico.

 

Castro Verde, no Alentejo, é o bastião dos francelhos (Falco naumanni) e dos rolieiros (Coracias garrulus) no nosso país. Ali vivem 80% das suas populações – ou seja, cerca de 600 casais de francelho e 60 casais de rolieiro – que são monitorizadas desde 2000 por uma equipa de biólogos portugueses, coordenada por Inês Catry, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos – CIBIO-InBIO.

 

Rolieiro pousado à entrada do ninho, numa ruína abandonada no concelho de Castro Verde. Foto: João Gameiro

 

Estas são duas espécies carismáticas e ícones da conservação da natureza. Ainda assim, isso não lhes garante uma vida livre de perigos. Na verdade, ambas têm sofrido declínios populacionais nos territórios onde se reproduzem na Europa, incluindo em Portugal.

Um dos grandes desafios é a disponibilidade de ninhos para garantirem a sua descendência. Acontece que os francelhos e os rolieiros não constroem os seu ninhos. A sua estratégia passa por aproveitar cavidades já existentes que tenham dimensões adequadas, normalmente em edifícios rurais abandonados, nidificando em cavidades que aparecem com a degradação.

 

Fêmea de francelho, também conhecido como peneireiro-das-torres, a entrar para o seu ninho numa parede de nidificação na Zona de Proteção Especial de Castro Verde. Foto: João Gameiro

 

Mas há cada vez menos ninhos disponíveis. Por isso, para ajudar as aves, desde 1998, conservacionistas da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), sediados em Vale Gonçalinho (Castro Verde) têm vindo a construir ninhos artificiais, como caixas-ninho ou paredes artificiais de nidificação, no âmbito de vários projectos de conservação.

Em 2017 existiam 944 ninhos artificiais, a maioria (663) construídos em paredes e torres artificiais.

 

Parede de nidificação construída na ZPE de Castro Verde. Em 2017 hospedou 30 casais de francelhos e um casal de
rolieiros. Além destas duas espécies, a estrutura pode também ser ocupada por várias outras, como peneireiro-comum, mocho-galego, coruja-das-torres, gralha-de-nuca- cinzenta, Pombo (doméstico) e estorninho- preto.
Foto: João Gameiro

 

Agora, um estudo realizado em Castro Verde e publicado na edição de março da revista científica Biological Conservation revelou que mais de 65% destas aves na região estão, actualmente, dependentes de ninhos artificiais.

Para chegar a esta conclusão, em 2017 os investigadores visitaram todos os edifícios e estruturas na Zona de Proteção Especial (ZPE) de Castro Verde – zona com cerca de 85.000 hectares – em que pudessem existir ninhos de francelhos e rolieiros.

“Os nossos resultados revelam que mais de 65% das aves destas duas espécies, francelho e rolieiro, estão dependentes dos ninhos artificiais para a sua sobrevivência, o que faz com que a sua manutenção seja fundamental para que as suas populações não voltem a diminuir”, explica, em comunicado, João Gameiro, primeiro autor deste estudo, investigador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa).

Ainda segundo o trabalho de campo feito em 2017, 68% de todos os francelhos e 66% de todos os rolieiros nidificaram em ninhos artificiais.

Segundo os investigadores, os ninhos em edifícios em ruína têm vindo a desaparecer da região, levando consigo as oportunidades de nidificação para aquelas aves.

 

Macho de francelho. Foto: Inês Catry

 

“O nosso modelo estima que um edifício abandonado de taipa – uma mistura entre argila e terra tradicionalmente utilizada na região – deixe de ter locais de nidificação disponíveis ao fim de 30 anos após abandono”, acrescenta o investigador.

“Como é um material que deixou de ser utilizado, tendo vindo a ser substituído por soluções mais duradouras – como tijolo, que não permitem o aparecimento de cavidades -, o número de ninhos naturais irá continuar a diminuir. Isto significa que francelhos e rolieiros vão ficar cada vez mais dependentes de ninhos artificiais.”

De acordo com este estudo – que contou com a participação de investigadores do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c (Ciências ULisboa), School of Environmental Sciences (Universidade de East Anglia, Reino Unido), Centro de Estudos do Ambiente e do Mar – CESAM (ULisboa) e o Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos – CIBIO-InBIO ( Insituto Superior de Agronomia, ULisboa e UPorto) – , são precisos 4.500 euros por ano para manter as populações das duas espécies.

“Estimamos um valor da ordem dos €4500 por ano, de acordo com o custo e longevidade dos tipos de ninho já disponibilizados. Estes cálculos incluem não só a manutenção e a subsituição de ninhos velhos como a construção de novos para as aves que ainda criam em edifícios rurais e ficarão entretanto desalojadas. A pergunta que naturalmente se coloca a seguir é – quem vai cobrir estes custos?”, questiona João Gameiro.

Como forma de explorar um possível modelo sustentável de conservação, os investigadores relacionaram a conservação destas espécies com as receitas geradas nos últimos anos pelo turismo na região.

“O turismo de natureza em Castro Verde tem aumentado nas últimas décadas, em resultado dos esforços de conservação na região, que começaram a ter maior expressão no início da década de 2000”, salientou João Gameiro.

“O valor que estimámos ser necessário para a manutenção dos ninhos artificiais, cerca de €4500 por ano, representa menos de 1% da receita anual de turismo na região, apenas em alojamento. Apesar de esta não ser a melhor altura para se falar de turismo, os números que nós apresentamos parecem indicar que há um enorme potencial de haver um suporte mútuo entre o turismo e a conservação da Natureza, e o turismo pode muito bem ser uma fonte sustentável de financiamento da conservação se feito de uma maneira responsável e moderada.”

Os investigadores salientam que, no futuro, a dependência da natureza em relação a projectos de conservação será cada vez maior, dado que as actividades humanas estão a empurrar cada vez mais espécies para a extinção. “Isto acontece para muitas espécies, como os francelhos e os rolieiros, que se adaptaram a viver em paisagens dominadas pelos humanos. A sua persistência depende da continuação de medidas que promovam a nidificação e habitats onde se possam alimentar.”

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Recorde aqui o trabalho de um grupo de voluntários para ajudar os francelhos de Castro Verde.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.