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Mais ou menos aquecimento global? Fará toda a diferença para os peixes de água doce

Um novo estudo científico analisou os impactos possíveis de alterações na temperatura mundial em cerca de 11.500 espécies pertencentes a este grupo.

Apesar de muitos estudos já terem avaliado os efeitos do aquecimento global sobre animais e plantas terrestres, para já os peixes de água doce têm sido bastante ignorados, considera Valerio Barbarossa, autor principal do artigo publicado na Nature Communications esta segunda-feira.

E no entanto, este grupo de peixes representa “quase um quarto da diversidade de vertebrados conhecida no mundo”, indica o investigador ligado à Radboud University, na Holanda, num comunicado desta universidade.

Qual será então o impacto de uma subida de 3,2 ºC das temperaturas médias a nível mundial? Esse é o cenário mais provável, segundo os cientistas, se não ocorrerem novos cortes nas emissões além dos compromissos actuais dos governos até 2030. Nesse caso, prevê o novo estudo, “mais de um terço das espécies de água doce ficam com mais de metade dos seus actuais habitats ameaçados por alterações extremas na temperatura ou nos fluxos da água”.

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Os efeitos negativos vão-se reduzindo à medida que diminui o aquecimento previsto. Assim, se os termómetros subirem uma média 2ºC, prevê-se que nove por cento das espécies de peixes de água doce fiquem com mais de metade dos seus habitats ameaçados. Já se o aumento se limitar a 1,5ºC, as espécies atingidas estão calculadas em quatro por cento do total.

“Estes números demonstram que limitar o aquecimento global importa realmente para as espécies de peixes de água doce, tal como pesquisas prévias têm demonstrado o mesmo para as espécies dos sistemas terrestres”, nota Valerio Barbarossa.

Tendo em conta diferentes cenários de aquecimento global, a equipa construiu vários modelos com variações limite de temperaturas e de fluxos da água, para identificar onde é que estes excederiam as condições extremas que existem hoje nos habitats das espécies analisadas.

“A temperatura da água e o seu fluxo são dois factores chave para as espécies de peixes de água doce”, explica Aafke Schipper, investigador também ligado à Radboud University e co-autor do estudo, que nota que as alterações climáticas vão “aumentar os extremos” desses dois factores. O resultado será a redução de habitats adequados, o que por sua vez “é um indicador importante do risco de extinção”, avisa.

A equipa concluiu também que as ameaças à sobrevivência estão principalmente ligadas à temperatura da água, uma vez que se prevê que as alterações climáticas provoquem o aquecimento da água de rios e lagos, entre outros, por quase todo o globo. Os efeitos serão especialmente prejudiciais para os peixes das regiões tropicais, alertam.

Sem terem para onde fugir

O cenário altamente preocupante desenhado por estes cientistas prende-se também com as barreiras humanas. “O número de espécies em risco representa o pior cenário, uma vez que assumimos que os peixes não poderão mover-se para outras partes da bacia hidrográfica ou adaptarem-se às mudanças”, explica também Barbarossa.

“Tivemos também em conta um cenário no qual as espécies se podiam mover livremente através da bacia hidrográfica e ‘escapar’ às condições alteradas “. Uma bacia hidrográfica é uma área na qual diferentes cursos de água – e também a água da chuva – vão todos desaguar num destino comum, como por exemplo um rio. “Nesse caso [de inexistência de barreiras], as ameaças das alterações climáticas mostram-se muito mais baixas. No entanto, muitos sistemas de água doce estão fragmentados, o que impede os peixes de se moverem para condições mais agradáveis.”

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Há cada vez mas barragens, diques e outras barreiras construídas por humanos, o que reduz a conectividade entre habitats de água doce e limita as oportunidades para estes peixes alterarem as suas áreas de distribuição, sublinham estes cientistas, que afirmam que por isso é crucial limitar o aquecimento global para preservar a biodiversidade nos habitats de água doce.


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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.