Mamíferos: sete espécies em perigo que dependem das zonas húmidas

Na semana em que o mundo celebra as zonas húmidas, a Wilder mostra-lhe a cada dia que espécies ameaçadas em Portugal mais dependem destes habitats. Hoje, Margarida Santos-Reis e António Mira falam-lhe dos mamíferos.

Das cerca de 100 espécies de mamíferos de Portugal, muitas utilizam diariamente as zonas húmidas. “Estas são habitualmente definidas como zonas de transição entre o meio terrestre e o meio aquático. Mas há quem também integre os rios e lagos, por exemplo, como zonas húmidas”, explica à Wilder Margarida Santos-Reis, investigadora do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e alterações ambientais, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e membro da Comissão técnico-científica do Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental.

Há mamíferos que usam as zonas húmidas como “habitat de refúgio e de alimentação”, acrescenta António Mira, da Universidade de Évora e coordenador do grupo que estuda os Pequenos Mamíferos naquele Livro Vermelho.

Estes dois investigadores consideram que há sete espécies em perigo em Portugal especialmente dependentes das zonas húmidas:

Toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus): 

Toupeira-de-água. Foto: David Perez/WikiCommons

Como o próprio nome indica, esta é uma espécie que necessita de água para sobreviver. A toupeira-de-água “alimenta-se e movimenta-se na água, estando o seu corpo adaptado para tal”, explica Margarida Santos-Reis. Este pequeno mamífero, que vive junto aos rios mais límpidos e frescos, está hoje confinado a meros refúgios. Está classificado com o estatuto de Vulnerável (VU) e encontra-se em regressão. Segundo António Mira, as principais ameaças são a fragmentação do habitat devido à construção de açudes e similares; deterioração da qualidade da água com redução das principais presas (macroinvertebrados aquáticos) e alteração da morfologia e distribuição da vegetação associada aos cursos de água. Um estudo publicado a 20 de Junho de 2018 na revista científica Animal Conservation concluiu que, nos últimos 20 anos, a toupeira-de-água desapareceu de 63,5% dos locais onde existia nas bacias do Tua e do Sabor.

Saiba aqui quais as cinco coisas que Portugal pode fazer para salvar a toupeira-de-água.

Musaranho-de-água (Neomys anomalus):

Musaranho-de-água. Foto: David Perez/WikiCommons

Também esta espécie tem uma clara associação à água no seu nome comum. O musaranho-de-água vive perto de cursos de água limpa e em zonas com elevado grau de humidade no Norte e Centro de Portugal. Actualmente não se sabe qual o estatudo de ameaça do musaranho-de-água mas, salienta Margarida Santos-Reis, “suspeita-se que esta é uma espécie que está ameaçada”. As ameaças que enfrenta são as mesmas do que as da toupeira-de-água: alteração da morfologia dos cursos de água, da estrutura do leito e das margens e da qualidade da água.

Rato-de-água (Arvicola sapidus): 

Rato-de-água. Foto: David Perez/WikiCommons

O rato-de-água tem uma distribuição reduzida na Europa e está classificado como Vulnerável a nível global. É uma das espécies alvo do Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental, actualmente em curso. Segundo António Mira, as ameaças que esta espécie enfrenta passam pela “destruição do habitat, sobretudo por reconversão para áreas agrícolas e sobre-pastoreio, drenagem de zonas húmidas, aquecimento global com secas prolongadas e competição com outras espécies”, como a ratazana.

Descubra aqui o rato-de-água que o leitor da Wilder Rui Júlio avistou junto à Ria Formosa, no Algarve, em Abril de 2018.

Rato de Cabrera (Microtus cabrerae):

O rato de Cabrera, espécie classificada em 2005 como Vulnerável, vive em margens de ribeiras temporárias, solos alagados, juncais ou nas orlas de ribeiras. Embora não seja tão dependente de habitats alagados, também ocorre sobretudo em zonas com elevada humidade no solo. É uma das espécies prioritárias para o Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental que, até ao final deste ano, vai rever o risco de extinção e o estado de conservação de mais de 70 mamíferos. A drenagem de zonas húmidas é considerada uma das maiores ameaças a esta espécie.

Descubra aqui oito coisas sobre o rato de Cabrera.

Lontra (Lutra lutra): 

Lontra (lutra lutra) Foto: Erik Christensen/Wiki Commons

A lontra está intimamente ligada à vida aquática, alimentando-se de peixes e lagostins. Além disso, faz as suas tocas perto dos rios, entre as raízes das árvores, em zonas de vegetação abundante. 

Para esta espécie, as principais ameaças são, segundo António Mira, a degradação da qualidade da água e vegetação nas zonas ribeirinhas, por exemplo por abate da galeria ripícola e a diminuição de muitas presas como as espécies de peixes autóctones.

Toirão (Mustela putorius): 

Toirão. Foto: Nicolas Weghaupt/WikiCommons

O toirão pode viver numa grande variedade de habitats, como por exemplo em zonas de vegetação junto a rios e em terrenos agrícolas e alagados. “Embora sendo uma espécie terrestre, vários estudos apontam para uma associação da espécie a zonas húmidas”, explica Margarida Santos Reis. “É uma espécie que tem sido pouco estudada mas suspeita-se de uma forte regressão. Neste momento, o toirão está classificado como DD (Informação Insuficiente). O declínio do toirão resulta de vários factores, como a redução da qualidade do habitat.

Morcegos em geral:

Morcegos. Foto: Shankar S./Wiki Commons

“As zonas húmidas, dada a grande disponibilidade de insectos, podem ser um excelente habitat de alimentação para os morcegos em geral”, sublinha António Mira. A mesma opinião tem Margarida Santos-Reis. “As zonas húmidas, ricas em insectos, são importantes áreas de alimentação para a maioria das espécies” de morcegos. Das 28 espécies de morcegos que ocorrem em Portugal Continental, nove estão ameaçadas (como o morcego-de-ferradura-mediterrânico, o morcego-de-ferradura-mourisco e o morcego-rato-pequeno, as três Criticamente Em Perigo de extinção). “Neste caso”, diz António Mira, “a deterioração da qualidade da água e a destruição da vegetação arbórea e arbustiva nas zonas húmidas, levando a uma diminuição do número de presas é, em minha opinião, uma ameaça significativa.”

Descubra aqui quais as espécies ameaçadas de libélulas e libelinhas que dependem das zonas húmidas de Portugal.


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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.