Vespa asiática. Foto: Gilles San Martin

Maria João Verdasca está a investigar as vespas asiáticas em Portugal

A investigadora da Universidade de Lisboa explicou à Wilder o que pretende descobrir no doutoramento dedicado a esta espécie invasora.

O que comem as vespas asiáticas em território português? Quais são as zonas de maior risco para a agricultura e a produção de mel? O que é que está a favorecer a dispersão desta espécie invasora em Portugal e qual é o potencial da sua expansão na Europa? Estas são questões a que Maria João Verdasca quer responder no âmbito do seu doutoramento.

As respostas que encontrar vão ajudar a “direccionar melhor as acções de controlo da vespa asiática em Portugal, numa tentativa de mitigar os seus impactos”, acredita esta investigadora do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, ligado à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Foto: Gilles San Martin/Wiki Commons

Aliás, recorda, o interesse em descobrir mais sobre a vespa asiática surgiu quando percebeu que faziam falta muitas melhorias no combate a esta espécie invasora. Foi em 2016 – um ano antes de iniciar o doutoramento – que Maria João avistou um ninho desta espécie em Viana do Castelo, em casa de familiares. Quando foi comunicar o facto aos bombeiros do município, percebeu que “as largas centenas de registos de ocorrências de ninhos no concelho estavam em formato de papel” e que “não havia coordenação entre os diferentes municípios.”

Além de perceber que os resultados desse trabalho teriam utilidade prática, ainda havia muito por saber sobre a própria espécie, nota. Sobre a dinâmica de invasão desta vespa, a sua biologia e a sua dieta, por exemplo.

Assim, meteu mãos ao trabalho. Dedicou uma parte do doutoramento à análise genética dos conteúdos fecais das larvas destas vespas. Esse trabalho de laboratório é importante porque permite fazer o retrato das presas capturadas ao longo do ano pelas vespas obreiras, que “capturam quase sempre outros insectos para alimentarem as larvas desta espécie”, explica. Para isso, contou com a ajuda de técnicos locais que recolheram as amostras dos ninhos.

Foto: Tsaag Valren/Wiki Commons

O trabalho de investigação tem passado também pela análise de sistemas de informação geográfica utilizando dados de Portugal, Europa e Ásia, fornecidos por diversas entidades e países. Só assim é possível analisar a dispersão deste insecto.

À mesma velocidade da Coreia do Sul

Em Portugal, onde o início do foco de invasão aconteceu em 2011, em Viana do Castelo, já se sabe que a vespa está a avançar “a uma velocidade média de 45 quilómetros por ano para sul e à volta de 20 quilómetros por ano para este” – uma diferença explicada pelas “condições climáticas mais favoráveis para a espécie ao longo da nossa costa atlântica.” Actualmente, já está estabelecida na região da Grande Lisboa, nota Maria João Verdasca.

E comparando a velocidade de dispersão em Portugal com outros países? “É mais lenta do que em França, onde estudos recentes revelam uma taxa de expansão de perto de 80 quilómetros por ano”, mas mais rápida do que em Itália, “onde até ver se está a expandir cerca de 20 quilómetros por ano”. Na verdade, os valores nacionais são semelhantes aos da Coreia do Sul, onde a espécie também é invasora.

Foto: Ksarasola/Wiki Commons

Um facto interessante é o papel que as auto-estradas têm ao transportar estas vespas para mais longe: “O transporte de mercadorias como madeiras e frutas ao longo destas grandes vias está a levar ao aparecimento acidental de novos focos de invasão, em zonas onde as vespas por si só não chegariam sozinhas tão rapidamente”, sublinha.

Mas de que forma? “Como muitas vespas fundadoras hibernam nos meses mais frios em buraquinhos nos troncos das árvores, pode ser que por exemplo num carregamento de madeiras sejam facilmente levadas para outro local”. E aí chegadas, acabam por se estabelecer. 

O muito que falta ainda saber

Um dos grandes problemas desta espécie invasora, nota Maria João Verdasca, deve-se ao facto da vespa asiática ser “uma voraz predadora da abelha do mel e de outros insetos polinizadores selvagens”. Mas em Portugal, estão por quantificar quais os impactos ecológicos e económicos na apicultura, na agricultura e na saúde pública, lembra a investigadora do cE3c.

Apiário em Torres Novas, onde se faz criação de abelhas do mel. Foto: Daniel Feliciano/Wiki Commons

Outras questões por esclarecer: qual é a diversidade de presas caçadas por esta vespa e que espécies nativas do país estão realmente a ser afectadas? Que consequências é que isso tem na polinização das culturas agrícolas e qual é a quebra de produção que daí resulta? Ninguém sabe também se esta vespa andará a alimentar-se de alguma praga agrícola, questiona a bióloga.

Maria João Verdasca lembra ainda que “faltam estudos que avaliem o impacto económico das medidas de controlo da espécie, que estão a ser implementadas localmente.” Uma lacuna que identifica, aliás, é a falta de um isco que permita capturar apenas as vespas fundadoras, quando saem da hibernação no início da Primavera. É que hoje em dia “as armadilhas colocadas não são específicas e estão a apanhar muitos outros insetos nativos”, lamenta.

Cuidado com os biocidas

Não menos importante e também ligado ao controlo da espécie: é preciso “perceber qual o impacto ambiental da inactivação dos ninhos com recurso a biocidas”, ou seja, produtos concebidos para matar pragas.

Ninho de vespa asiática. Foto: Père Igor/Wiki Commons

Como muitos ninhos foram instalados a grandes alturas, acabam por não ser removidos porque essa acção ” acarreta muitos custos logísticos, financeiros e de recursos humanos”, explica. Assim, muitos são “inactivados com recurso a biocidas que depois ficam disponíveis na natureza, podendo passar para outros animais que se alimentem das larvas no final do ano, quando as colónias já se encontram enfraquecidas.”

Um ninho de vespa asiática desfeito. Foto: MOSSOT/Wiki Commons

“Daí que seja importante esclarecer todos os agentes envolvidos da importância de usar produtos homologados para o efeito, evitando assim males maiores de contaminação ambiental”, alerta a bióloga, que espera concluir o doutoramento em 2021.

Quanto ao futuro, avisa, na Europa “não se prevê um desacelerar do processo de invasão e dos seus consequentes impactos ambientais”. Desde logo, porque ao analisar a dinâmica da invasão no Velho Continente percebeu que a espécie tem uma grande capacidade de se adaptar a diferentes condições climáticas.

Por outro lado, completa, há ainda hoje “uma grande extensão de área na Europa por ocupar, que tem condições ambientais semelhantes às que a vespa usa na sua área de distribuição nativa”, no Sudeste Asiático.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.