Foto: Anja Odenberg/Pixabay

Metade dos últimos refúgios de espécies ameaçadas não estão protegidos

Peritos mundiais em conservação avaliaram 853 locais que são o último refúgio para quase 1.500 espécies em perigo de extinção. Concluíram que quase metade destes locais insubstituíveis não têm qualquer estatuto de protecção.

 

Este é o resultado de um estudo feito entre 2015 e 2018 pela Aliança Extinção Zero (Alliance for Zero Extinction, AZE), uma parceria global para a conservação, lançada em 2005, que identifica, mapeia e conserva as zonas que têm as únicas populações conhecidas de espécies criticamente ameaçadas.

“Reconhecemos hoje 853 sítios AZE”, em 109 países, disse na sexta-feira passada Ian Burfield, da BirdLife International e coordenador do estudo. “Se quisermos salvar uma espécie, a prioridade número um é proteger os seus habitats. Mas 43% destes sítios não têm nenhuma protecção formal”, acrescentou, em comunicado.

Alguns exemplos de locais AZE nesta lista, actualizada pela terceira vez (depois das versões de 2005 e de 2010), são a Sierra de Juárez (Oaxaca, sul do México), com 27 espécies únicas e ameaçadas; o Maciço de La Hotte (sul do Haiti), com 14 espécies ou a cadeia montanhosa de Udzwunga (centro da Tanzânia), com 11 espécies.

Esses 853 sítios foram identificados como os últimos refúgios de 1.483 espécies criticamente ameaçadas, desde anfíbios, aves, corais e mamíferos a tubarões, raias, camaleões, crocodilos, iguanas, tartarugas e algumas espécies de árvores.

Das 1.483 espécies, a maior percentagem são anfíbios (41%), seguida dos mamíferos (15%) e das aves (13%).

Mas também há boas notícias. Este ano foram removidas 107 espécies que até então justificavam um local AZE. Uma delas é o priolo (Pyrrhula murina), na ilha de São Miguel, nos Açores, graças ao trabalho da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (Spea). De apenas 40 casais em 2005, a população única no mundo é hoje de quase 1.000 indivíduos em 2016.

 

Priolo (Pyrrhula murina). Foto: Mark Putney/Wiki Commons

 

E na Colômbia, a criação da Reserva de Anfíbios Ranita Dorada, para proteger duas espécies de rãs (Andinobates dorisswansonae e Andinobates tolimense) melhorou o seu estatuto de tal forma que hoje ambas deixaram de ser espécies AZE.

 

Ranitomeya dorisswansonae. Foto: Mauricio Rivera Correa/Wiki Commons

 

A avaliação dos locais AZE foi feita por peritos da BirdLife International, da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e da American Bird Conservancy (ABC), apoiados por uma rede com mais de 150 especialistas em espécies, em todo o mundo.

A partir deste ano, será possível a qualquer pessoa nomear potenciais locais AZE.

Este estudo faz parte de um projecto maior, liderado pela BirdLife e apoiado pelo Global Environment Facility (GEF) e o Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), em colaboração com os Governos de países como o Brasil, Chile, e Madagáscar para integrar melhor os sítios AZE nos seus esforços nacionais de conservação e gestão de habitats.

“Está comprovado que áreas protegidas bem geridas evitam extinções”, comentou Mike Parr, presidente da ABC e Chairman da AZE. “Os Governos de, pelo menos, 20 países já estão a trabalhar para proteger os seus locais AZE, mas precisamos urgentemente de todos os 109 países e territórios com locais AZE para tomarem medidas para proteger estes lugares únicos.”

Um dos países com o maior número de locais AZE é o Brasil. Foi o primeiro país a criar legislação para garantir que os locais AZE sejam considerados no desenvolvimento nacional e no planeamento da conservação.

Para Ugo Eichler Vercillo, director do Departamento da Conservação das Espécies no Ministério brasileiro do Ambiente, proteger os locais AZE é a forma mais rápida para conseguir cumprir as metas mundiais para aumentar as áreas protegidas e para travar o declínio das espécies. Os locais AZE “deviam ser uma prioridade para a conservação mundial”, considerou.

“Desde a Amazónia à Austrália, uma conservação bem informada está a trabalhar para salvar espécies”, disse Craig Hilton-Taylor, responsável pela Lista Vermelha da UICN. “Estamos a viver num período de sexta extinção em massa. Por isso é importante aprendermos com as histórias de sucesso, como a da Colômbia, para proteger espécies ameaçadas de extinção.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.