Migração anual desta minúscula ave surpreende biólogos

Com apenas 12 gramas de peso, a mariquita-de-perna-clara (Setophaga striata) voa todos os anos 20.000 quilómetros durante as migrações, um feito acompanhado pela primeira vez por biólogos.

 

Pela primeira vez, biólogos da Universidade de Guelph (Ontário, Canadá) conseguiram acompanhar a migração anual de uma das aves canoras em maior declínio na América do Norte, a mariquita-de-perna-clara.

É uma viagem épica, para uma ave deste tamanho. E acaba de ser contada num artigo publicado hoje na revista Ecology.

 

Foto: Christian Artuso

 

Estas aves fazem ninho nas florestas boreais da América do Norte e todos os anos rumam a Sul para passarem o Inverno na bacia hidrográfica do rio Amazonas.

Há muito tempo que os cientistas suspeitavam desta migração mas ainda não a tinham conseguido provar. Agora descobriram que a viagem desta espécie é uma das mais longas registadas até ao momento para uma ave canora.

Em 2015, o biólogo Ryan Norris e outros colegas foram os primeiros a mostrar que as mariquitas-de-perna-clara que se reproduziam nas províncias marítimas do Canadá e na Nova Inglaterra faziam um voo sem paragens de até três dias e com cerca de 2.700 quilómetros ao longo da costa Este dos Estados Unidos.

Para este novo estudo, os biólogos olharam para a migração completa destas aves.

“É impressionante”, comentou Norris, em comunicado. “Uma ave que pesa o equivalente a duas ou três moedas viaja desde a ponta ocidental da América do Norte até à bacia do Amazonas e, pelo meio, atravessa o oceano Atlântico.”

Para chegar a esta descoberta, os investigadores colocaram minúsculos geolocalizadores em algumas aves das florestas boreais no Norte do Canadá e no Alasca.

 

Foto: Vermont Centres for EcoStudies

 

A migração completa para Sul demorou cerca de 60 dias, em média, cobrindo distâncias desde os 6.900 quilómetros – para as aves a reproduzir-se em Churchill, Manitoba – até aos 10.700 quilómetros, para as aves do Alasca.

Algumas aves fizeram um paragem na costa atlântica dos Estados Unidos. Ali estiveram quase um mês a alimentar-se para duplicar o seu peso, antes de uma viagem sem paragens de dois dias e meio a voar sobre mar aberto, a caminho dos seus locais de invernada no Norte da Colômbia, Venezuela e Brasil.

Segundo Norris, as populações desta ave têm estado a diminuir nos últimos anos, talvez por causa da perda de habitat e declínios nos insectos dos quais se alimentam. “Para podermos compreender o que está a causar o seu declínio, precisamos conhecer o seu ciclo anual por inteiro”, acrescentou o biólogo.

 

Foto: Andy Reago & Chrissy McClarren/Wiki Commons

 

No artigo científico, os investigadores dizem que as alterações climáticas podem tornar os eventos climatéricos costeiros ainda mais frequentes e extremos, com impactos ainda desconhecidos para as aves migradoras de longa distância.

“Enquanto cientista de conservação, aquilo que mais me impressiona é que em apenas um ano, uma mariquita-de-perna-clara consegue viajar 20.000 quilómetros por terra e oceano, enfrentando riscos como a predação por gatos, tempestades, colisões com edifícios e veículos, enquanto tenta encontrar ilhas de habitat para descansar e alimentar-se nas nossas paisagens dominadas por humanos”, comentou Hilary Cooke, cientista da Wildlife Conservation Society Canada que também participou no estudo.

“Em comparação, a região boreal do Norte do Canadá oferece habitat seguro e de grande qualidade para esta espécie em declínio. Proteger as florestas boreais do Canadá é crucial para salvar esta fantástica ave canora.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.