Fêmea e crias no CNRLI. Foto: Joana Bourgard/Wilder (arquivo)

Morreu Boj, lince-ibérico que marcou história da reprodução da espécie

A fêmea de lince-ibérico Boj, com 12 anos, foi eutanasiada no final de Dezembro depois de vários anos a lutar contra uma doença renal crónica. Boj deu 16 linces ao programa de reprodução em cativeiro para ajudar a salvar a espécie.

 

A eutanásia aconteceu a 21 de Dezembro no Centro de Reprodução do Lince-ibérico de El Acebuche, em Doñana, Andaluzia, informou o Programa de Conservação Ex-situ deste felino.

Boj nasceu em estado selvagem há 12 anos na população de Doñana/Aljarafe. A 19 de Outubro de 2005 ingressou no Centro de El Acebuche para fazer parte do grupo de linces reprodutores do Programa de Conservação Ex-situ.

 

Fêmea Boj

 

“Esta fêmea foi um dos exemplares que mais contribuiu para o programa de conservação da espécie, participando em seis temporadas reprodutoras e dando à luz 16 crias”, salientou o programa, em comunicado. Muitas dessas crias fazem hoje parte do programa de reprodução em cativeiro, como Jabaluna, no Centro Nacional de Reprodução do Lince-ibérico, em Silves (CNRLI). Outras foram libertadas na natureza e vivem hoje nas diferentes áreas de reintrodução dedicadas à conservação do lince.

Em 2010, Boj foi um dos linces afectados pela doença renal crónica, classificada na fase 2. Esta doença, que danifica os rins de forma irreversível, foi identificada como mais uma ameaça à espécie no final de 2009, afectando pelo menos 25 animais. Meses depois, os especialistas explicaram o fenómeno com os efeitos nocivos dos suplementos alimentares administrados aos animais, pelo que os suspenderam. Esta medida terá permitido a melhoria da maioria dos animais doentes, excepto aqueles em que a doença estava mais avançada.

“Apesar de se tratar de uma patologia irreversível, graças aos cuidados veterinários recebidos, a evolução de Boj foi moderada e pôde continuar a participar como fêmea reprodutora durante várias temporadas.”

Mas em 2016 o seu estado de saúde agravou-se e passou a ser considerada como estando na fase terminal da doença. Nesse momento decidiu-se retirá-la do grupo de animais reprodutores.

“Ao ter sido um dos primeiros animais que fez parte do programa de reprodução em cativeiro do lince-ibérico, Boj não apenas contribuiu ao fixar os seus genes nas populações de linces-ibéricos existentes mas também permitiu implementar técnicas de maneio em cativeiro” que ajudaram a melhorar a gestão das populações de lince-ibérico, acrescentou o comunicado.

O lince-ibérico é uma espécie classificada desde 22 de Junho de 2015 como Em Perigo de extinção, depois de anos na categoria mais elevada atribuída pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), Criticamente em Perigo.

Estima-se que a população mundial de lince-ibérico (Lynx pardinus) seja actualmente de apenas 483 animais. Em meados do século XIX seriam cem mil espalhados por toda a Península Ibérica. O colapso das populações de coelho-bravo, a sua principal presa, a caça indiscriminada e a perda de habitat explicam o cenário.

O objectivo final do programa ibérico de reprodução em cativeiro é conseguir conservar 85% da variabilidade genética existente actualmente na natureza, durante um período de 30 anos. Para tal será preciso um núcleo de 60 linces reprodutores.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Siga a nossa série “Como nasce um lince-ibérico” e conheça os veterinários, video-vigilantes, tratadores e restante equipa do Centro Nacional de Reprodução (CNRLI) em Silves.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.