Veado. Foto: Pixabay

Ambiente manda reavaliar instalação de central fotovoltaica na Quinta da Torrebela devido ao abate de 540 animais

Tudo terá acontecido a 17 e 18 de Dezembro nesta herdade no norte do concelho da Azambuja, numa montaria em que morreram principalmente javalis e veados.

O ministro do Ambiente e da Acção Climática, João Pedro Matos Fernandes, emitiu esta quarta-feira um despacho no qual determina “a suspensão imediata do procedimento de avaliação de impacte ambiental, incluindo a consulta pública”, relativo à instalação de duas centrais fotovoltaicas na Quinta da Torre Bela.

Foi nesse local que “ocorreu uma montaria durante a qual foram abatidos mais de 500 animais, factos que motivaram comunicação ao Ministério Público”, recorda o gabinete do ministro, em comunicado.

O governante decidiu que a Agência Portuguesa do Ambiente tem 30 dias para aferir “se o Estudo de Impacte Ambiental deve ser reformulado ou aditado no âmbito do procedimento de avaliação de impacte ambiental do projeto em causa”, tendo em conta os factos ocorridos e as referidas averiguações que forem feitas.

Na manhã de terça-feira, Matos Fernandes tinha anunciado na TSF que ía revogar imediatamente a licença de caça da Quinta da Torre Bela, na Azambuja, depois da “gabarolice de um acto vil” relacionado com o abate de centenas de animais.

Além de revogar a licença, indicou na altura o ministro, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) apresentou uma queixa ao Ministério Público, “porque muito provavelmente terão de ser criminalizados quem organizou, quem tem aquela licença e, muito provavelmente, os próprios caçadores que nela participaram”.

Também nesse dia, o gabinete do ministro informou que no âmbito do processo de averiguação realizado pelo ICNF, no qual está a ser coadjuvado por uma brigada da GNR/SEPNA, “foram recolhidos fortes indícios de prática de crime contra a preservação da fauna durante uma montaria realizada a 17 e 18 de dezembro, na qual terão participado 16 caçadores”.

Por outro lado, a revogação da licença de caça prende-se com “fortes indícios de incumprimento por parte da entidade concessionária da zona de caça, designadamente as respeitantes ao fomento e gestão sustentável da fauna, entre outros incumprimentos”.

“Super-recorde”

O acontecimento que motivou esta decisão do ministro do Ambiente foi descrito durante o fim-de-semana, em inglês, por alguns caçadores que nele participaram, através de várias publicações nas redes sociais – divulgado como um “super-recorde” em que se salientavam os “540 animais [caçados] por 16 caçadores em Portugal”.

De acordo com o jornal online Fundamental, que noticiou o sucedido, a nacionalidade dos caçadores envolvidos é desconhecida mas acredita-se que não seja portuguesa, tendo em conta os nomes associados às publicações nas redes sociais.

O local é uma zona de caça congestionada como Zona de Caça Turística (ZCT) de Torrebela. Nesta segunda-feira, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), num comunicado enviado à comunicação social, tinha indicado que “o plano de ordenamento e exploração cinegética desta ZCT prevê a exploração do veado e do javali pelos métodos previstos na lei, onde se incluem as montarias”.

No entanto, tento em conta os números de animais abatidos já divulgados, o ICNF acrescentava que “deu já início a um processo de averiguações junto da Entidade Gestora da ZCT no sentido de apurar os factos ocorridos e eventuais ilícitos nos termos da legislação em vigor”.

De acordo com o Fundamental, os animais terão sido perseguidos sem hipóteses de fuga, uma vez que se trata de uma propriedade com muros a toda a volta e quase sem árvores.

Central fotovoltaica

A existência de um projecto para a instalação de uma central fotovoltaica com 775 hectares centenas de painéis solares, no mesmo terreno onde foram abatidos centenas de animais, já era conhecida. O facto foi referido por exemplo pelo partido PAN – Pessoas-Animais-Natureza, que reagiu logo segunda-feira lembrando estes planos para a Quinta da Torrebela e o Estudo de Impacte Ambiental (EIA), “em fase de consulta pública até 20 de janeiro de 2021”. Terça-feira, o PAN requereu uma audição ao Ministro do Ambiente com caráter de urgência para esclarecer esta situação.

Em comunicado, o partido acrescentou que tem defendido uma “regulamentação apertada para o sector da caça”, devido aos “visíveis impactos negativos para a biodiversidade”. Considera também que “matar por regozijo e desporto é simplesmente desumano e representa um grave retrocesso civilizacional”.

Por outro lado, “ninguém sabe com exatidão qual é o estado de conservação das populações de espécies classificadas como cinegéticas” em Portugal, pois “os dados existentes resultam da contabilização dos animais mortos e não do número efectivo”, acrescenta. O PAN defende que “a realização de censos é fundamental” e lembra que já apresentou uma proposta nesse sentido, tal como a pedir a monitorização dessas espécies, que foi rejeitada com votos contra do PSD, PS, CDS-PP e PCP.

Ministro quer rever regras das montarias

Já o ministro Matos Fernandes informou também, na última terça-feira, que vai convocar o Conselho Nacional da Caça para, no início de 2021, “se realizar uma reflexão sobre a prática de montarias em Portugal”. “É entendimento do Ministério que são necessárias alterações à lei para impedir que os vis acontecimentos relatados se repitam”, adianta o gabinete do governante, em comunicado.

O Ministério faz ainda uma distinção entre o “abate indiscriminado de animais” na Herdade da Torrebela e a própria actividade cinegética, “entendida como uma prática que pode contribuir para a manutenção da biodiversidade e dos ecossistemas”.


Agora é a sua vez.

Considera que deve à mesma avançar a instalação de uma central fotovoltaica, com centenas de painéis solares, no terreno onde foram agora abatidos os 540 animais? Os documentos disponíveis no processo de consulta pública, para já suspenso, podem ser consultados aqui.


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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.