Musaranho-de-dentes-brancos. Foto: Balles2601/WikiCommons

Musaranhos de Lisboa são mais ousados do que os do campo

Os musaranhos-de-dentes-brancos que vivem em Lisboa são mais ousados e activos do que aqueles que vivem em áreas naturais, revela um novo estudo.

Os musaranhos são pequenos mamíferos insectívoros, raramente avistados, mas em expansão na Europa.

Em Portugal existem seis espécies de musaranhos. Um deles é o musaranho-de-dentes-brancos (Crocidura russula).

Agora sabemos um pouco mais sobre estes mamíferos.

Um estudo realizado em Lisboa por investigadores do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e da Universidade Adam Mickiewicz de Poznań (UAMP), na Polónia, detectou diferenças substanciais no comportamento e metabolismo dos musaranhos-de-dentes-brancos que ocorrem na capital portuguesa, quando comparados com animais de áreas naturais.

Musaranho-de-dentes-brancos. Foto: Balles2601/WikiCommons

Os resultados deste trabalho foram publicados este mês num artigo na revista Behavioral Ecology.

“Os musaranhos da cidade adotam comportamentos mais ousados e estão também mais predispostos a explorar um ambiente que lhes é estranho”, diz Flávio Gomes Oliveira, um dos autores do estudo e doutorando do programa doutoral em Biologia e Ecologia das Alterações Globais, ministrado em associação entre a Universidade de Aveiro e a Universidade de Lisboa.

Flávio Gomes Oliveira explicou, em comunicado, que “a falta de vegetação natural e os constantes estímulos externos tão típicos do ambiente urbano, tais como ruído e luz artificial, levam a que os animais que aqui vivem se tornem mais arrojados na procura de comida e de locais onde possam habitar”.

Este tipo de adaptação urbana está em linha com estudos realizados noutras espécies, nomeadamente aves e insectos.

Flávio Gomes Oliveira iniciou o programa doutoral em 2015 para estudar de que forma o comportamento e a fisiologia desta espécie se adapta e altera quando confrontada com diferentes condições ambientais. 

“É relevante compreender como é que esta espécie se adapta tão rapidamente a ambientes novos para prever melhor o ritmo da sua expansão”, refere Flávio Gomes Oliveira.

O crescimento das áreas urbanas que se prevê continuar a aumentar vai levar a que mais animais se vejam confrontados com a dualidade campo/cidade.

Musaranho-de-dentes-brancos. Foto: Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

“Infelizmente, a maioria das espécies não vai conseguir adaptar-se a um ambiente tão alterado como as áreas urbanas”, disse Maria da Luz Mathias, outra co-autora do estudo, professora do Departamento de Biologia Animal coordenadora do Laboratório de Biologia da Adaptação e Alterações Globais do CESAM no polo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Por essa razão considera “fundamental continuar a estudar o fenómeno de adaptação urbana em todas as suas vertentes ecológica, fisiológica, comportamental e evolutiva”.

Tudo indica, acrescenta, que o musaranho-de-dentes-brancos seja “uma importante espécie modelo para ajudar a compreender o destino das espécies perante uma alteração global como a crescente urbanização”.

Para os investigadores este género de estudos tem um carácter cada vez mais relevante no cenário actual de alterações climáticas. Muitas espécies conseguem adaptar-se às alterações antropomórficas que o homem causa na paisagem e no clima, mas outras não.

É importante aumentar o conhecimento sobre o porquê de isto acontecer.


Saiba mais.

Descubra aqui o musaranho-de-dentes-brancos que o leitor Pedro da Silveira encontrou em Colares, Sintra, a 9 de Maio.

Saiba mais sobre o trabalho em curso sobre o Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.