Museu de História Natural recupera colecções com 5.173 espécimes de anfíbios e répteis

Os mais de 5.000 espécimes tinham sido recolhidos em missões no século XX nos países lusófonos tropicais. Estas coleções já deram origem à descrição de sete novas espécies para a Ciência.

Lagartixas, cobras, serpentes e osgas são apenas alguns dos animais representados nas colecções do Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT) que, em 2015, foi integrado na Universidade de Lisboa. A partir de então, grande parte das colecções científicas desse Laboratório de Estado ficou à guarda do Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC-ULisboa).

Exemplares juvenis de crocodilos de Moçambique. Foto: Luís Ceríaco

Algumas destas coleções – recolhidas em missões científicas durante o século XX nos países africanos de expressão portuguesa, em Timor-Leste, Goa e Macau – estavam por tratar, algumas mesmo em perigo iminente de se perderem.

“É nestas condições que se encontravam as colecções herpetológicas (répteis e anfíbios) do IICT. Num prédio com vários andares na rua da Junqueira, situava-se o Centro de Zoologia. Edifício antigo, escuro e cujo cheiro a inseticida e líquidos preservantes era uma constante. Mas infelizmente, e sobretudo como consequência de uma escassez crescente de meios e de pessoal, estes líquidos não foram suficientes para impedir a degradação destas fantásticas e únicas coleções em meio líquido”, explicou, em comunicado, Luís Ceríaco, curador da coleção de Anfíbios e Répteis do MUHNAC.

“Os frascos estavam extremamente sujos, numa sala sem qualquer tipo de controlo ambiental, onde proliferavam fungos e a temperatura e humidade ora atingiam valores muito baixos, ora extremamente altos. Na prática, a coleção estava numa situação de tal modo assustadora que ninguém se atrevia a usá-la. Estava inacessível.”

Alguns exemplares chegaram mesmo a perder-se. “As tampas e os selantes quebraram, o que levou à evaporação total do meio preservante e ao ataque de fungos que consumiram os espécimes.”

O antes. Foto: Luís Ceríaco

Em 2015 começou um trabalho que estava estagnado desde a década de 1990. Deu-se início ao projeto de catalogação e digitalização das coleções herpetológicas, seguido de avaliação do estado de conservação das coleções e à recuperação dos espécimes.

“O nosso maior desafio foi resgatar a coleção a tempo e retirá-la do ambiente insalubre em que se encontrava. Outro desafio foi recatalogar, espécime a espécime, toda a coleção – pois não existia um catálogo completo ou sequer confiável deste acervo”.

Este trabalho culminou com informação de 5.173 espécimes (3.048 répteis e 2.125 anfíbios) de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Macau, Goa e Portugal.

“A coleção é fantástica”, comentou Luís Ceríaco. “Com mais de 5.000 espécimes de três centenas de espécies, a coleção apresenta-se como a mais rica e diversificada coleção herpetológica em solo português. Com base em espécimes desta coleção, desde 2015 já foram descritas sete novas espécies para a ciência!”

Foto: Luís Ceríaco

Entre estas estão a lagartixa de Adamastor (Trachylepis adamastor), endémica da ilha do Príncipe e ilhéu Tinhosa, São Tomé e Príncipe; a cobra preta de São Tomé (Naja peroescobari), endémica da ilha de São Tomé, São Tomé e Príncipe; a osga da rainha Nzinga (Hemidactylus nzingae), endémica de Angola; e a serpente de Fernando Frade (Boaedon fradei), endémica de Angola. 

Estas e outras espécies são de enorme interesse científico e, em alguns casos, até bastante raras. Estas colecções “são um registo irrepetível da biodiversidade mundial”, disse Luís Ceríaco. “A nossa coleção é rica em espécimes de áreas historicamente pouco amostradas, o que lhes dá uma importância acrescida. Embora não tenhamos nenhuma espécie na coleção que mais nenhum museu tenha, temos alguns espécimes que são raros nos museus mundiais. Falo por exemplo da anfisbena de Angola, Dalophia angolensis.

Além disso, “o número de espécimes permite uma miríade de estudos, que vão desde estudos morfológicos, taxonómicos, até a estudos ecológicos e comportamentais”.

Estas coleções são de interesse para os especialistas dos países onde os espécimes foram recolhidos, mas não só. “Temos trabalhado ativamente com colegas de alguns dos países representados nas nossas coleções, que têm visitado as nossas coleções, pedido dados e informações e publicado acerca das mesmas”.

Estantes com os espécimes em meio líquido. Foto: Mariana Marques

No entanto, “mais do que para os países de origem, estes espécimes são importantes para a compreensão da biodiversidade à escala continental”, salientou.

A coleção está hoje inteiramente informatizada e os seus dados disponíveis online para toda a comunidade no portal do Global Biodiversity Information Facility (GBIF).

Este projecto – cuja coordenação foi partilhada entre Luís Ceríaco e Mariana Marques, curadora assistente, e que envolveu também Diogo Parrinha, da Universidade de Lisboa – culminou com a publicação na revista científica  de acesso livre ZooKeys, a 31 de Julho, do artigo “Saving collections: taxonomic revision of the herpetological collection of the Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisbon (Portugal) with a protocol to rescue abandoned collections”.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.