Nasceram duas crias de águia-pesqueira no Alentejo

No meio das águas da albufeira de Alqueva, no Baixo Alentejo, há uma árvore seca com um ninho. Lá dentro estão duas crias de águia-pesqueira com cerca de uma semana de vida. Estas serão as únicas crias nascidas este ano em Portugal. Os seus progenitores fazem parte do esforço de conservação para que a espécie volte a nidificar no nosso país.

 

As duas crias têm entre uma semana e 10 dias de idade, disse esta manhã à Wilder Luís Palma, coordenador técnico-científico do projecto de Reintrodução da Águia-pesqueira (Pandion haliaetus) em Portugal, desenvolvido pelo CIBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos) com o apoio financeiro da EDP.

“Estão no fundo do ninho, distante, construído por elas numa árvore seca no meio da albufeira de Alqueva. A tendência é para as águias-pesqueiras procurarem locais o mais próximo da água. Afinal, são ‘aves aquáticas’”, disse Luís Palma com um sorriso. Estas águias – com um comprimento de entre 52 e 60 centímetros e uma envergadura da asa de entre 152 e 167 centímetros – alimentam-se de peixe como carpas, tainhas, robalos e sargos e são quase sempre avistadas perto de água.

 

Ninho com as duas crias. Foto: Jorge Safara/Projecto Reintrodução Águia Pesqueira em Portugal
Ninho com as duas crias. Foto: Jorge Safara/Projecto Reintrodução Águia Pesqueira em Portugal

 

O dia-a-dia desta família tem mais ou menos as tarefas divididas. O macho pesca e obtém alimento; a fêmea fica de vigia, a guardar o ninho e a distribuir o alimento pelas crias.

Estes progenitores nasceram em 2012 e foram trazidos ainda jovens do Norte da Europa, onde a espécie é abundante, para a Península Ibérica. Ele tem anilha verde, com inscrição P23, é de origem finlandesa, e foi reintroduzido na albufeira de Alqueva. Ela tem anilha preta com inscrição 9UW, é de origem alemã e foi reintroduzida nas Marismas del Odiel em Espanha. Depois de alguns anos de dispersão por África, atingiram a idade adulta, altura em que estas aves costumam regressar aos locais onde cresceram. Agora, estas duas águias escolheram fazer ninho nas águas da albufeira de Alqueva.

Que se saiba, este será o único casal activo este ano em Portugal. No ano passado houve registo de dois casais nidificantes, um na Costa Vicentina e outro no Alentejo perto da fronteira com Espanha (com uma cria). “Este ano, o casal esteve na Costa Vicentina mas não chegou a criar. Casal activo só este. O que já é bom”, disse Luís Palma.

 

O ninho foi construído em cima de uma árvore no meio da albufeira. Foto: Jorge Safara/Projecto Reintrodução Águia Pesqueira em Portugal
O ninho foi construído em cima de uma árvore no meio da albufeira. Foto: Jorge Safara/Projecto Reintrodução Águia Pesqueira em Portugal

 

Desde que o projecto de reintrodução começou, em 2011, foram transferidas para Portugal 56 águias-pesqueiras, vindas da Finlândia e da Suécia. Dessas, morreram nove: três por acidente, dois por patologias e quatro por predação. Agora, com 47 águias-pesqueiras libertadas na zona de Alqueva, o projecto já não vai transferir mais indivíduos e entra numa nova fase.

 

Melhorar condições de nidificação

 

O projecto terminou a 31 de Dezembro de 2015 mas, perante uma proposta feita pela equipa técnico-científica, foi prolongado por mais três anos, “com alguns ajustes”, explicou Luís Palma.

“Já não vamos transferir mais animais. Optámos por aquilo que achámos prioritário. Queremos criar condições para que as águias-pesqueiras se instalem”, agora que começam a chegar depois da dispersão juvenil por terras africanas.

Agora, a peça central do projecto é a melhoria das condições de nidificação, com a “colocação de mais plataformas artificiais em zonas com boas disponibilidades de alimento”, adiantou o responsável. “Precisamos garantir, rapidamente, que as aves encontrem boas áreas de nidificação e que não se vão embora. Não se pode perder o capital investido nestes últimos cinco anos.”

O projecto já colocou nove ninhos artificiais na zona da albufeira de Alqueva mas quer aumentar esse número, até porque “há espaço para mais alguns casais”. O grande objectivo é começar a criar um núcleo reprodutor. “Depois vamos estudar outros locais, como os estuários do Tejo e do Sado, a Ria Formosa, ou o próprio rio Tejo. São locais que têm quase sempre aves mas onde não há zonas para elas nidificarem.”

Para estes próximos três anos, as duas pessoas que trabalham no projecto vão também continuar a monitorizar as águias, a marcar os juvenis e a divulgar a importância da conservação desta espécie.

A águia-pesqueira já nidificou em quase todo o litoral de Portugal continental. No início do século XX existiriam entre 22 e 30 casais mas em finais dos anos 1970 apenas existiriam dois, segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. A partir de 1991, a população ficou reduzida a um casal reprodutor, na Costa Vicentina. Em 1997 morreu a fêmea e com ela terminou a reprodução da espécie em Portugal. O macho foi visto pela última vez em 2002.

Desde então, o nosso país tem sido apenas um destino “de férias” para as águias-pesqueiras que escolhem passar aqui o Inverno, para fugir do frio de países como o Reino Unido, Alemanha, Noruega e Suécia. Estima-se que, pelo menos, entre 135 e 150 águias-pesqueiras venham passar o Inverno a Portugal, segundo o último censo a esta migração, realizado a 16 de Janeiro. O maior número de aves, entre 21 e 23, foram registadas no rio Tejo, entre Constância e Santarém.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.